sábado, 30 de novembro de 2013

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Entrevista de Gonçalo M Tavares ao Jornal de Letras, Artes e Ideias

Jornal de Letras: Atlas do Corpo e da Imaginação é simultaneamente umensaio e uma ficção?
Gonçalo M. Tavares: É um ensaio ficcional. Tenho um fascínio pelo "e"e um grande desinteresse pelo "ou".
Porquê?Desvalorizo o "ou" porque remete para isto ou aquilo. Há um texto muitobonito de Kierkegaard que tem a ver com isso. Mas se escrevesse umlivro semelhante o título seria "e e e e". Porque o que quero fazer comoescritor é isto e aquilo e aqueloutro. O Atlas e o Animalescos, o meu livroanterior, são dois mundos completamente distintos. A própria escrita édiferente. São mesmo aparentemente incompatíveis, em termos de ummesmo autor.
Por que sente necessidade de seguir registos tão diversos?Tem a ver com qualquer coisa que sinto cada vez mais: um antifundamentalismo em relação a quase tudo. No limite, o "ou" é deexclusão definitiva, remete para uma espécie de inimizade, para dois campos. O "e", pelo contrário, remete para as ligações, o que me interessa muito mais. Quando escrevo, há diferentes percursos, itinerários,que levam a determinados finais. Mas para mim é muito claroque todos os livros estão ligados. Tudo está ligado.

Animalescos é de um percurso que começa agora a explorar?Sinto que é um dos percursos essenciais, para mim, neste momento.Tem a ver com Canções Mexicanas e Água, Cão, Cavalo, Cabeça. Sãotrês livros que arrumei na ideia de canções e de rutura com o mundo dereflexão e pensamento.
Em que sentido?É uma questão de velocidade. Diria que o Atlas tem a ver com uma certalentidão de escrita e de pensamento, tal como esses livros pertencem aoutro mundo de velocidade. Toda a minha escrita é rápida, mas estaé muito mais orgânica, instintiva, veloz. O reflexivo é mais lento. Nãose trata de ser melhor ou pior. O que sinto é que chego a sítios completamente diferentes e não quero abdicar de nenhum itinerário. Todos os percursos que não percorri ainda são hipóteses, não foram excluídos.
VELOCIDADE E PENSAMENTOComo escolhe um ou outro itinerário de escrita?Um livro como o Atlas tem uma estrutura. Há pontos de referência por onde sei que vou passar. No caso de Animalescos ou de CançõesMexicanas, acabo por começar a escrever sem saber o destino. É uma escrita mais bruta. Sim, mais brutamontes. A velocidade dá um choque maior. Como se sentisse a brutalidade da escrita.

É curioso porque noutros dos romances, como Aprender a Rezarna Era da Técnica, essa violência também existe, mas parece menospróxima.Já falei com várias pessoas que sentem precisamente isso em Animalescos. A primeira pessoa acelera muito a escrita e nesse sentido transforma-se em qualquer coisa de muito brutal. A terceira pessoa de Aprender a Rezar na Era da Técnica dá uma violência vista por alguém que está a dois ou trêsmetros. Há uma distância, uma de defesa no narrador que se calhar também é transmitida para o leitor. No 'eu' recoloca-se o narrador dentrode uma energia tensa. Não é alguém que está a tentar perceber, é alguémque está a descrever, enquanto está a ser empurrado.
É a diferença entre o explorador e o cartógrafo?Mais entre o cartógrafo, que está a dizer que ali há um buraco, e alguém que está a cair nele. Em Canções Mexicanas está a descrever o centímetro a seguir aos seus pés, o segundo que antecede a sua entrada em ação. Num livro como Aprender a Rezar na Era da Técnica há uma distância temporal muito mais tranquila. Mas estas coisas não são separáveis. Interessa-me cada vez mais que o pensamento coincida com o momento da escrita. E noto mesmo que no caso de Animalescos e Canções Mexicanas tirando algumas letras fora do lugar tudo surge quase pronto.
São livros menos editados?O estranho é que ficam muito próximos do final. Ao contrário, Aprender a Rezar na Era da Técnica ou Jerusalém são livros em que o próprio momento de escrita é claramente mais lento e a carga de trabalho posterior muito maior. A velocidade dá uma série de decisões que são tomadas sem a pessoa ter essa noção. Como se fosse mais certeira à primeira. Esta escrita é como atirar uma pedra a grande velocidade. Aqui, a velocidade coincide com a pontaria. Em relação a outros livros, até o tipo de movimento de escrita é distinto. É outro animal.
Vê os livros como animais?Sim e não me identifico com a ideia de que um livro é melhor do que ooutro. É como uma pessoa dizer que a girafa é melhor do que o tigre ouo elefante. Cada animal tem as suas características.
Mas com essa aceleração da escrita, passou de algum modo da reflexãoà ação?A reflexão é ação. O Atlas passa muito por isso: o pensamento é ummovimento, uma ação. Ao pensar não estamos a assistir, estamos afazer alguma coisa. Tal como quando partimos um copo ou atiramos umapedra. Logo não noto essa diferença. A reflexão é qualquer coisa queacho essencial. Quando fazemos um movimento estamos a executar umpensamento. Isso até se sente muito na escrita, mais ainda com a manual. Quando eu escrevo um "A" estou a fazer um conjunto de movimentos. Escrever uma reflexão é um conjunto de movimentos muito meticulosos. Por que havemos de pensar que agir é pegar numa pedra e atirá-la contra um edifício e quando eu movimento a mão de uma forma muito microscópica já não é ação? Qual é a lógica? Por outro lado, o nosso pensamento funciona muito por associação. E as nossas associações por vezes são de grandes saltos. O Atlas também anda à volta dessa ideia.
De que maneira?Também se pode pensar assim: por passos, saltos, por corrida. Não sedeixa de pensar por se estar a correr. Há coisas que só são produzidasquando se pensa passo-a-passo, como a Ciência. Alguma Arte Contemporânea, em contrapartida, pensa muito por saltos. Um pé estábem afastado do outro. O problema é julgarmos que o pensamento é umacoisa lenta, controlada. Há muitos pensamentos. No Atlas é mais passoa passo, apesar de ter saltos, mas o Animalescos é de passadas largas. Oinstinto é o pensamento mais rápido que existe.
A velocidade, de resto, é uma das características do tempo em quevivemos.Sim, mas aí também há várias. E falta muita velocidade ao mundo.Uma velocidade inteligente, que vá direto a qualquer coisa de essencial.Quando falamos de velocidade atual referimo-nos à passagem deum estímulo para outro, ao facto de uma pessoa cansar-se rapidamente,o que tem a ver com a multiplicação das imagens. Na Idade Média,ao longo das suas vidas as pessoas tinham acesso, no máximo, a sete ouoito imagens, pinturas ou representações. Por isso, concentravam a sua atenção durante dias, semanas, meses. Vivemos numa época emque, em dois minutos, vemos mais imagens que os nossos antepassadosdo século XVI na vida toda. O mesmo acontece com as pessoas. Umeuropeu da Idade Média se calhar conhecia 50 na vida toda, talvezaquilo que nós conhecemos num mês. Isso faz com que haja, hoje emdia, uma velocidade de consumo de imagens e de pessoas. Se umaimagem não nos salva, há milhares de outras. Com muitas exceções, émuito raro uma pessoa estar duas ou mesmo uma hora seguida concentrada num único objeto. Ou seja, há uma geração que tem muitos estímulos. Estou com curiosidade em saber o que vai acontecer em termosartísticos daqui a 10 ou 20 anos.

Por causa da dispersão?Ninguém imagina Miguel Ângelo a fazer uma pincelada, depois a responder a um email e voltar outra vez à pintura. Os artistas passavam semanas fechados num compartimento, sem falar com ninguém, só saíampara comprar comida, sem largar o seu objeto. Há obras de arte que só podem aparecer se uma pessoa estiver uma, duas, três, quatro, cincohoras em frente delas, sem mudar a sua atenção para outro lado. E estetempo prolongado com o mesmo objeto, concentrado, é qualquer coisa que as tecnologias e o mundo contemporâneo estão a perturbar.
Ainda preserva esse tempo longo?Tento sempre ter por dia três ou quatro horas no século XIX. Sem largaro 'animal'. Sem qualquer interrupção, o que nem sempre consigo. Hácoisas a que só se chega assim. Se um artesão está a fazer um objeto ede dois em dois minutos levanta a cabeça há uma dispersão.
É o que acontece com Joseph Walser e a sua máquina.Sim, é uma boa imagem. As pessoas abandonam muito o que estão afazer porque esse abandono não representa perigo de vida. Porque senós estivermos numa ação que, uma vez suspensa, corremos perigo devida, não a abandonamos. O desafio é pôr essa pressão no ofício artístico.De outra forma fica-se um pintor de dois minutos. E não estou a dizerque é mau ou bom. Com os anos, vai provavelmente fazer aparecer obrasde arte diferentes. Algumas talvez mais interessantes.
FICÇÃO E IMAGINÁRIOVoltando ao Atlas: o ponto de partida foi a sua tese de doutoramento?Sim, mas o livro é completamente diferente.

(...)

sábado, 23 de novembro de 2013

Karl Jaspers

A ânsia de uma orientação filosófica da vida nasce da obscuridade em que cada um se encontra, do desamparo que sente quando, em carência de amor, fica o vazio, do esquecimento de si quando, devorado pelo afadigamento, súbito acorda assustado e pergunta: que sou eu, que estou descurando, que deverei fazer?
O auto-esquecimento é fomentado pelo mundo da técnica. Pautado pelo cronómetro, dividido em trabalhos absorventes ou esgotantes que cada vez menos satisfazem o homem enquanto homem, leva-o ao extremo de se sentir peça imóvel e insubstituivel de um maquinismo de tal modo que, liberto da engrenagem, nada é e não sabe o que há-de fazer de si. E, mal começa a tomar consciência, logo esse colosso o arrasta novamente para a voragem do trabalho inane e da inane distracção das horas de ócio.

Porém, o pendor para o auto-esquecimento é inerente à condição humana. O homem precisa de se arrancar a si próprio para não se perder no mundo e em hábitos, em irreflectidas trivialidades e rotinas fixas.
Filosofar é decidirmo-nos a despertar em nós a origem, é reencontrarmo-nos e agir, ajudando-nos a nós próprios com todas as forças.
Na verdade a existência é o que palpavelmente está em primeiro lugar: as tarefas materiais que nos submetem às exigências do dia-a-dia. Não se satisfazer com elas, porém, e entender essa diluição nos fins como via para o auto-esquecimento, e, portanto, como negligência e culpa, eis o anelo de uma vida filosóficamente orientada. E, além disso, tomar a sério a experiência do convívio com os homens: a alegria e a ofensa, o êxito e o revés, a obscuridade e a confusão. Orientar filosoficamente a vida não é esquecer, é assimilar, não é desviar-se, é recriar intimamente, não é julgar tudo resolvido, é clarificar.
São dois os seus caminhos: a meditação solitária por todos os meios de consciencialização e a comunicação com o semelhante por todos os meios da recíproca compreensão, no convívio da acção, do colóquio ou do silêncio.

Karl Jaspers, in 'Iniciação Filosófica'

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

domingo, 17 de novembro de 2013

sábado, 16 de novembro de 2013

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

terça-feira, 12 de novembro de 2013

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Jorge de Sena

Amor



Amor, amor, amor, como não amam
os que de amor o amor de amar não sabem,
como não amam se de amor não pensam
os que de amar o amor de amar não gozam.
Amor, amor, nenhum amor, nenhum
em vez do sempre amar que o gesto prende
o olhar ao corpo que perpassa amante
e não será de amor se outro não for
que novamente passe como amor que é novo.
Não se ama o que se tem nem se deseja
o que não temos nesse amor que amamos,
mas só amamos quando amamos o acto
em que de amor o amor de amar se cumpre.
Amor, amor, nem antes, nem depois,
amor que não possui, amor que não se dá,
amor que dura apenas sem palavras tudo
o que no sexo é sexo só por si amado.
Amor de amor de amar de amor tranquilamente
o oleoso repetir das carnes que se roçam
até ao instante em que paradas tremem
de ansioso terminar o amor que recomeça.
Amor, amor, amor, como não amam
os que de amar o amor de amar o amor não amam.

Jorge de Sena, Peregrinatio ad loca infecta (1969)

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Hannah Arendt

As Coisas Efémeras são as Mais Necessárias

Das coisas tangíveis, as menos duráveis são as necessárias ao próprio processo da vida. O seu consumo mal sobrevive ao acto da sua produção; no dizer de Locke, todas essas «boas coisas» que são «realmente úteis à vida do homem», à «necessidade de subsistir», são «geralmente de curta duração, de tal modo que - se não forem consumidas pelo uso - se deteriorarão e perecerão por si mesmas».
Após breve permanência neste mundo, retomam ao processo natural que as produziu, seja através de absorção no processo vital do animal humano, seja através da decomposição; e, sob a forma que lhes dá o homem, através da qual adquirem um lugar efémero no mundo das coisas feitas pelas mãos do homem, desaparecem mais rapidamente que qualquer outra parcela do mundo.



Hannah Arendt, in 'A Condição Humana'

domingo, 3 de novembro de 2013

sábado, 2 de novembro de 2013

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Maria Teresa Horta

Morrer de amor

Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso


Gozo
 
Desvia o mar a rota
do calor
e cede a areia ao peso
desta rocha
Que ao corpo grosso
do sol
do meu corpo
abro-lhe baixo a fenda de uma porta
e logo o ventre se curva
e adormece
e logo as mãos se fecham
e encaminham
e logo a boca rasga
e entontece
nos meus flancos
a faca e a frescura
daquilo que se abre e desfalece
enquanto tece o espasmo o seu disfarce
e uso do gozo
a sua melhor parte