domingo, 31 de outubro de 2010

Grito 44

ARTE POÉTICA


A poesia não está nas olheiras imorais de Ofélia
nem no jardim dos lilases.
A poesia está na vida,
nas artérias imensas cheias de gente em todos os sentidos,
nos ascensores constantes,
na bicha de automóveis rápidos de todos os feitios e de todas as cores,
nas máquinas da fábrica e nos operários da fábrica
e no fumo da fábrica.
A poesia está no grito do rapaz apregoando jornais,
no vaivém de milhões de pessoas conversando ou prague­jando ou rindo.
Está no riso da loira da tabacaria,
vendendo um maço de tabaco e uma caixa de fósforos.
Está nos pulmões de aço cortando o espaço e o mar.
A poesia está na doca,
nos braços negros dos carregadores de carvão,
no beijo que se trocou no minuto entre o trabalho e o jantar
— e só durou esse minuto.
A poesia está em tudo quanto vive, em todo o movimento,
nas rodas do comboio a caminho, a caminho, a caminho
de terras sempre mais longe,
nas mãos sem luvas que se estendem para seios sem véus,
na angústia da vida.

A poesia está na luta dos homens,
está nos olhos abertos para amanhã.


Mário Dionísio

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Nenhuma palavra e nenhuma lembrança, Manuel António Pina


“Nunca como neste último livro foi tão profunda, exaustiva e cativante a interrogação de Manuel António Pina sobre o poder-ser da poesia e a sua ínvia relação com a memória. (…) Nesse sentido, e para lá da insistente melancolia que atravessa este livro, talvez pudéssemos falar de uma mística da escrita poética, particularmente visível numa fórmula adaptada de Angelus Silésius: "Escrever sem porquê" (pág. 52). Apesar de reconhecida a fragilidade das palavras (‘também elas são mortais’ — pág. 23) ou até do facto de estas serem questionadas como caminho para a morte ("não é a morte o que as palavras procuram?" — pág. 12), prevalece uma obstinação de dizer. Obstinação que se funda em si mesma, de um modo desencantado, é certo, mas também jubiloso, porque capaz de inquieta e inquietante poesia: "Como saberei o que fazer com tantas palavras,/ náufrago de palavras/ na tormenta de antigos sentidos/ e de antigas dúvidas,/ sem outra coisa que me proteja/ senão mais palavras?" (pág. 26). E são livros, como este, discretamente essenciais, que nos provam que, afinal, até há naufrágios felizes”.
Manuel de Freitas, in “As palavras escrevem-se no escuro”, Expresso, 16 de Outubro de 1999.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Um grito na vida: Sofia Coppola, outra vez


Bob (Murray) é uma estrela de cinema a rodar um anúncio, Charlotte (Johansson) uma jovem que viaja com o marido, um fotógrafo viciado em trabalho. São os dois americanos, mas cruzam-se no bar de um hotel em Tóquio. E de um encontro fortuito vai nascer uma forte amizade...

sexta-feira, 8 de outubro de 2010