quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Nenhuma palavra e nenhuma lembrança, Manuel António Pina


“Nunca como neste último livro foi tão profunda, exaustiva e cativante a interrogação de Manuel António Pina sobre o poder-ser da poesia e a sua ínvia relação com a memória. (…) Nesse sentido, e para lá da insistente melancolia que atravessa este livro, talvez pudéssemos falar de uma mística da escrita poética, particularmente visível numa fórmula adaptada de Angelus Silésius: "Escrever sem porquê" (pág. 52). Apesar de reconhecida a fragilidade das palavras (‘também elas são mortais’ — pág. 23) ou até do facto de estas serem questionadas como caminho para a morte ("não é a morte o que as palavras procuram?" — pág. 12), prevalece uma obstinação de dizer. Obstinação que se funda em si mesma, de um modo desencantado, é certo, mas também jubiloso, porque capaz de inquieta e inquietante poesia: "Como saberei o que fazer com tantas palavras,/ náufrago de palavras/ na tormenta de antigos sentidos/ e de antigas dúvidas,/ sem outra coisa que me proteja/ senão mais palavras?" (pág. 26). E são livros, como este, discretamente essenciais, que nos provam que, afinal, até há naufrágios felizes”.
Manuel de Freitas, in “As palavras escrevem-se no escuro”, Expresso, 16 de Outubro de 1999.

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