segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Um grito em forma de livro: Adoecer, Hélia Correia



Adoecer, de Hélia Correia, é um livro fascinante na forma e no conteúdo. Na forma porque dá asas literárias aos limites da História. No conteúdo porque ousa ser singular ao abordar a vida de um conjunto de criadores artísticos do século XIX inglês que ficaram conhecidos como pré- -rafaelitas, um universo muito pouco frequentado pelos romancistas portugueses.
Que sorte que Hélia Correia se tenha obcecado pelo quadro “Ophelia” de John Everett Millais e pela mulher já meio mineral que o protagoniza: Elizabeth Eleanor Siddal, pintora, poeta e modelo. A ruiva, musa e amante que incendiou a vida criativa de Dante Gabriel Rossetti.

Adoecer é seminal na definição do romantismo para leitores até agora distraídos: uma teia intricada de um mal-estar melancólico, febril, que se projecta num futuro que pedirá uma arqueologia amorosa como a que Hélia Correia exerce quase 150 anos depois de Lizzie estar morta e com ela ter sido enterrada uma parceria artística e amorosa fundamental para compreender uma página importante da História da arte ocidental.

Hélia Correia é generosa na partilha do que viu, do que descobriu, confirmou, mas também de mistérios que permanecerão, como o de olhar de Lizzie na forma como ainda hoje nos interpela na Red House, em Upton: “ Olha para fora do enquadramento, para longe dos outros, tão alheia que a tomariam facilmente por alguém que se perdeu e ainda procura o seu caminho. (…) Não há um rosto mais angustiado na história da pintura que, no entanto, sempre atentou bastante nos martírios.”
Rui Lagartinho

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