ARTE POÉTICA
A poesia não está nas olheiras imorais de Ofélia
nem no jardim dos lilases.
A poesia está na vida,
nas artérias imensas cheias de gente em todos os sentidos,
nos ascensores constantes,
na bicha de automóveis rápidos de todos os feitios e de todas as cores,
nas máquinas da fábrica e nos operários da fábrica
e no fumo da fábrica.
A poesia está no grito do rapaz apregoando jornais,
no vaivém de milhões de pessoas conversando ou praguejando ou rindo.
Está no riso da loira da tabacaria,
vendendo um maço de tabaco e uma caixa de fósforos.
Está nos pulmões de aço cortando o espaço e o mar.
A poesia está na doca,
nos braços negros dos carregadores de carvão,
no beijo que se trocou no minuto entre o trabalho e o jantar
— e só durou esse minuto.
A poesia está em tudo quanto vive, em todo o movimento,
nas rodas do comboio a caminho, a caminho, a caminho
de terras sempre mais longe,
nas mãos sem luvas que se estendem para seios sem véus,
na angústia da vida.
A poesia está na luta dos homens,
está nos olhos abertos para amanhã.
Mário Dionísio
domingo, 31 de outubro de 2010
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Nenhuma palavra e nenhuma lembrança, Manuel António Pina
“Nunca como neste último livro foi tão profunda, exaustiva e cativante a interrogação de Manuel António Pina sobre o poder-ser da poesia e a sua ínvia relação com a memória. (…) Nesse sentido, e para lá da insistente melancolia que atravessa este livro, talvez pudéssemos falar de uma mística da escrita poética, particularmente visível numa fórmula adaptada de Angelus Silésius: "Escrever sem porquê" (pág. 52). Apesar de reconhecida a fragilidade das palavras (‘também elas são mortais’ — pág. 23) ou até do facto de estas serem questionadas como caminho para a morte ("não é a morte o que as palavras procuram?" — pág. 12), prevalece uma obstinação de dizer. Obstinação que se funda em si mesma, de um modo desencantado, é certo, mas também jubiloso, porque capaz de inquieta e inquietante poesia: "Como saberei o que fazer com tantas palavras,/ náufrago de palavras/ na tormenta de antigos sentidos/ e de antigas dúvidas,/ sem outra coisa que me proteja/ senão mais palavras?" (pág. 26). E são livros, como este, discretamente essenciais, que nos provam que, afinal, até há naufrágios felizes”.
Manuel de Freitas, in “As palavras escrevem-se no escuro”, Expresso, 16 de Outubro de 1999.
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Um grito na vida: Sofia Coppola, outra vez
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
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