Ódio
Odeio-me profundamente por te amar assim desta forma infantil, dependente, como se fosse morrer se me deixasses, como se o meu mundo fosse acabar se nos separássemos, como se só a tua existência pudesse justificar a minha, como uma triste infeliz. Odeio-me nestes momentos e eles são muitos. Imagino a quantidade de explicações objectivas e subjectivas para este meu sentir, mas nada disso me interessa. Apenas esta obsessão e o medo de te perder me paralisam. Neste momentos, nada me interessa. Faço o que for preciso para garantir que a nossa horrível vida em conjunto (se nós somos um conjunto? Não, não somos…) se perpetue até ao dia em que eu consiga acordar outra. Engano-me assim: que um dia vou ser outra pessoa, mais forte e corajosa, mais decidida, mais intolerante à tua intolerável pessoa, vou acordar assim, vencedora e vou-te esquecer tanto e tirar tanto de dentro de mim, que chegarei a duvidar se alguma vez realmente exististe. E vou rir-me do meu sofrimento passado e sentir-me moralmente superior a todos aqueles que sofrem desta doença da qual ainda sofro, mas da qual deixarei de sofrer, um dia.
O ódio que sinto por mim própria, vem de ti. Do ódio que me tens e aos meus, da raiva, da inveja, de todos esses sentimentos mesquinhos, mas que alimentas na ilusão de que te engrandecem. O teu ódio colou-se-me à pele, não sei se para me proteger, ou para me destruir. Sei que desde que comecei a odiar-te parece-me mais difícil deixar-te. Como se o sentimento “ódio” fosse mais forte do que o “amor”. E, quem sabe, não é? A sensação que tenho é a de que primeiro se colou aos pulmões, porque tenho dificuldade em respirar e dói-me o peito e as costas e quando te vejo esses sintomas pioram; depois agarrou-se a todas as minhas articulações, pois cada passo que dou em direcção a ti provoca-me uma dor que se crava na carne e que piora a cada passo que dou para longe de ti. Penso que este ódio está a começar a envolver o último músculo, o coração, que bate de forma desordenada, ora muito rápido ora muito lento ora alternando entre rápido e lento e às vezes chega a quase parar, mas não pára. Tenho, para mim, que ele vai esperar estar completamente contaminado pelo teu ódio para que este se possa, finalmente, virar contra ti. Este meu pequeno músculo foi destroçado, espezinhado, calcado, ignorado, gozado, vezes sem conta e isso parece-se com a vida: é assim. Mas nunca tinha sido odiado, nem tomado de assalto por esse sentimento tão poderoso, contagiante e destrutivo. Às vezes ainda o sinto triste. Não se chega ao ódio sem a mágoa, a dor, a humilhação, o desprezo e um ódio maior para o qual não tenho nome. E nessas alturas dobro-me sobre mim, como que para o proteger, para o acalmar, embalar. Mas tu existes e ele vive permanentemente alerta em relação à tua pessoa. Existes, és a fonte do seu sofrimento e do seu mal e ele gostaria de poder aniquilar-te por dentro e por fora. Eu tenho a mesma esperança e sou solidária com ele.
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