ACERCA DE UMA ARANHA
O que se pode dizer? Falemos da sua leveza, dessa espécie de gesto
que a sustenta no ar. Permanece sozinha, para que se encontre
a si mesma. À sua frente estão múltiplos caminhos, mas escolhe
apenas um. Ela procura o centro de qualquer coisa. Aí fica
à espera, atenta como nós quando lemos um livro. Talvez esteja perto
daquilo que há muito se ignorava, de um segredo que a teia
lhe pode revelar quando estremece. Solta-se dela um fio
maior para que a luz venha ao seu encontro. Oscila um pouco
e afasta-se lentamente. É outra a página que se lê agora.
[in As Raízes Diferentes, Relógio d'Água, 2011]
Post Coitum Animal TristeEm ti o poema, o amplo tecido da água ou a forma
do segredo. Outrora conheceste a margem abandonada
do desejo, a sua extensão e principias a entregar
os vasos alongados para receberes as mãos das chuvas.
Apagaram-se junto dos teus olhos as praias, as árvores
que se ergueram um dia sobre as estradas romanas,
o vestígio dos últimos peregrinos, aves nuas
que já desceram, cansadas, pelo interior do teu peito.
Uma voz, no silêncio calmo das águas, esquece
a mentira das primeiras colheitas, onde os nossos gestos
perderam os sorrisos ou o orvalho que os cerca.
Serenamente, começaram a fechar-se os sonhos de Deus
no interior de novos frutos e, abandonado, fico
junto do teu corpo, onde principia a sombra deste poema.
Fernando Guimarães, in “Poesias Completas”
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