sexta-feira, 30 de abril de 2010

Um grito na vida: Sidney Lumet


Equus é uma viagem pela consciência atormentada de um rapaz que é produto do meio onde viveu. O encadeamento racional e emocional das suas relações com os seus pais levam-no a uma jornada de luta e dor. E para compreendê-la é necessário conhecer os seus fundamentos e construir com ele o seu “universo paralelo”. Mas o risco é muito grande. Excelente filme de Lumet com uma actuação fantástica de Richard Burton e do protagonista. A discussão é acessível, palpável e não é exposta de forma complexa, embora o seja.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Grito 33

Talvez
Tenha nascido de ti

Só isso
Explica esta união esta parecença
Explica esta força

Talvez tenha nascido em ti
No sítio em que tu te dás
Em que jorras

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Um grito em forma de livro: Uma breve carta para um longo adeus, Peter Handke


Em Uma breve carta para um longo adeus, Handke apresenta um narrador-protagonista numa viagem pela América, atravessando desertos, lugares inóspitos e vazios, vagamente motivado pela procura da sua mulher. Impossibilitado de realizar uma viagem de caráter iniciático que o faça compreender a si próprio e ao mundo que o cerca, é tomado pela perambulação, pela errância e pela deriva.

domingo, 25 de abril de 2010

Um grito na vida: Vsevolod Pudovkin


Vsevolod Pudovkin, A Mãe
Nikolai Batalov, um activista político russo da época dos czares, é preso e morre quando tenta escapar da cadeia. Depois dessa tragédia, Niovna-Vlasova, mãe de Nikolai, começa a questionar o horror imposto pelo regime czarista. Niovna empenha-se nas causas políticas do seu filho assassinado e acaba por ter o mesmo destino.

sábado, 24 de abril de 2010

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Grito 32

Vinte minutos

Tenho vinte minutos para te explicar porque é que devemos ficar juntos para o resto da vida. Estás muito zangado comigo, pouco receptivo a qualquer argumentação, sobretudo minha, estás com pressa e preparas todas as defesas para viveres sem mim com muito pouco sofrimento. Olho para ti e é isso que vejo – que partes, que te afastas, que te impacientas, que queres ir embora sem mim, que anseias por estar noutro lado qualquer e o tempo a passar… Já só tenho dezanove minutos e a passagem do tempo apenas me entontece e me rouba toda a criatividade que sempre me caracterizou e me ajudou nestes momentos, já nossos conhecidos. Dezoito minutos e tu olhas o relógio do teu telemóvel, brincas com o telemóvel, olhas para mim, estás à espera sem quereres estar. Eu aperto as mãos, olho-te, olho o teu telemóvel, tusso de forma forçada, apenas quero ganhar tempo e não gastá-lo. Sinto-me desesperada. Amo-te e é tudo. Tenho pena que isso não seja suficiente para te fazer ficar. Seria se também me amasses, sem razão nenhuma. Precisas que te explique porque deves ficar comigo e isso parece-me inadmissível e no entanto sujeito-me a isso como se fosse a prova de toda a minha existência. Sobram dezassete minutos: afinal ainda tenho tempo, apenas preciso de me acalmar e pensar naquilo que é importante para nós dois: o cinema, o sexo, os passeios de bicicleta, os abraços durante a noite, o nosso cheiro, o cão… não vais querer desistir de tudo isto, pois não? Estou convencida de que vou convencer-te. E agora dezasseis minutos quase parecem uma eternidade. Olho-te com devoção e tu tens um olhar interrogativo, mas duro, difícil. Levanto-me, respiro fundo, dou uma volta à sala, volto a olhar-te de um outro ângulo e perco mais um minuto a achar-te bonito. Quinze minutos me separam da alegria ou da tristeza. Sei que sou capaz de lutar pela alegria e, no entanto, não me sinto mal se não conseguir e ficar triste. Não sei se no fundo não desejo que me deixes, que resistas à minha argumentação, à minha lógica. Esta ambiguidade esteve sempre presente em mim acabando por me proteger nestes momentos. Catorze minutos. O teu suspiro acorda-me para a realidade. Tenho muitas coisas para te dizer mas nenhuma me parece suficientemente importante para que fiques ou para que partas. Sinto coisas boas em relação a ti mas talvez não seja suficiente para ti. Talvez a forma como te amo te incomode, te destabilize e eu posso compreender isso. Só treze minutos e a tua impaciência começa a tornar-se palpável; o silêncio incomoda-te, precisas de ruídos que ocupem os espaços e justifiquem a tua atenção ou desatenção. Não és imperfeito, mas só as tuas imperfeições me ocorrem agora e quase te detesto por me levares a esta situação. E doze minutos é tudo o que tenho agora. Esta será provavelmente a tua última prenda para mim – dás-me tempo para te seduzir, para te persuadir de que valho a pena, de que valemos a pena juntos. Mas é verdade que estou confusa. Este acontecimento degrada em mim o que tenho de melhor. Onze minutos e o teu telemóvel toca. Atendes e sinto o teu alívio ao fugir do nosso silêncio. O teu rosto suaviza-se e ficas mais bonito, mais feliz e eu tenho saudades de te inspirar essa expressão. Metade do tempo passou e tu estás ao telefone ainda. Não sei se te agradeça ou te censure por ocupares este tempo em algo exterior a nós. Nove, oito, sete minutos e as minhas mãos começam a tremer. Grito-te, ordenando-te que desligues o telefone, que estamos a conversar sobre a nossa vida, que não tens o direito de fugir disso, que não tenho que contar os minutos sozinha, que és um egoísta, que me ignoras. Grito-te muito. Desligas o telefone e o teu semblante volta a ficar pesado. Olhas para o visor do telemóvel e percebes que só faltam seis minutos e que o tormento em breve terminará. Tens as tuas coisas a fazer, claro. Eu sou apenas mais uma e já estás a ultrapassar o tempo que previste dedicar-me. Cinco minutos e eu acalmei-me bastante. Mas não tenho nada para te oferecer para que fiques. Disse-te tudo, já. Melhor, gritei-te tudo. Quatro minutos e percebo nos teus movimentos que preparas a partida, a despedida. Procuras alguma coisa nos bolsos, ou finges que procuras. Três minutos e estamos já apaziguados com a ideia de fim. E, de repente, abraças-me com força e assim ficamos. No fim do abraço consigo apalpar a separação. Dois minutos e os nossos olhos procuram a cumplicidade, algo antigo. Um minuto e já não consigo ficar até ao fim. Desato a correr.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Um grito em forma de livro: Não há morte nem princípio, Mário Dionísio


Contista, um dos primeiros, entre nós, a interessar-se pelas perplexidades do intelectual que é (ou quer ser) homem de acção, poeta para quem a poesia foi um ins­trumento de combate e também uma meditação acerca do amor, ensaísta que aprofundadamente discutiu os problemas da arte — Mário Dionísio representava no actual panorama do romance português o curiosíssimo exemplo de um romancista sem romances (ou, para falar com mais clareza, o exemplo de um autor que somente no romance poderia buscar e achar a unidade de todas as suas múltiplas preocupações, preocupações que, ao fim e ao cabo, sabemo-lo agora, são as de um moralista que se interroga acerca dos fins e dos meios). Inventário sombrio de um certo momento da vida por­tuguesa, balanço (justo?, injusto?) do que fizemos e do que não soubemos fazer — ei-lo, finalmente, esse inevi­tável, arriscadíssimo romance, um belo romance, um romance novo, complexo, perturbador, um desses ro­mances que nos fazem pensar, que são a imagem cruel (e polémica) de muitos dos nossos fracassos.

Augusto Abelaira

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Um grito na vida: The Bridge


The Bridge is a 2006 documentary film by Eric Steel that tells the stories of a handful of individuals who committed suicide at the Golden Gate Bridge in 2004. The film was inspired by an article entitled "Jumpers," written by Tad Friend appearing in The New Yorker magazine in 2003

sexta-feira, 16 de abril de 2010

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Grito 31

Trovão

Ontem à noite
Trovejaste dentro de mim.
Não reparei, perdida que estava na tua carne.
Só as nódoas nascidas com a luz do dia
O confirmaram.
O meu corpo fala-me do teu
E conta-me o que de ti próprio não sabes.

Gostava de estar mais presente, nesses momentos
Mas o teu corpo, o teu cheiro, os teus líquidos distraem-me
Do cenário
Que o teu trovão destrói ao iluminar as minhas marcas.

Enquanto procuramos coisas diferentes um no outro
Partilhamos o gozo, a dor e o fim para o qual combinámos
Estratégias que evitam o embaraço.
Somos inteligentes e sós. Não sabemos lidar com os outros sem a sua utilidade.

Não tenho uma imagem completa do teu corpo.
Nem tão pouco do teu rosto. Cada vez que te vejo é uma surpresa e acho-te sempre bonito, de novo.
A fragmentação dos nossos encontros permite fixar-me no que mais me agrada em nós e juntar essas partes com outras partes de outros encontros. E imaginar um céu na terra, em dias húmidos nos olhos.

Quando deixares de vir
E eu sentir a ausência absoluta do que me davas
Terei uma história preparada para me contar: fragmentos de frases
Que dizias quando te doía o corpo do nosso encontro.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Um grito em forma de livro: Os passos em volta, Herberto Helder


Aparentemente um livro de contos, histórias de enredos simples, mas romanticamente transcendentes, representam os passos de um homem em torno da sua existência, sem respostas paradigmáticas, num vazio que se procura transformar em matéria. Sobeja-lhe o corpo, divino, prodigioso e redentor, onde regressa sempre.
“Talvez pudesse ouvir passos junto à porta do quarto, passos leves que estacariam enquanto a minha vida, toda a vida, ficaria suspensa. Eu existiria então vagamente, alimentado pela ciolência de uma esperança, preso à obscura respiração dessa pessoa parada. Os comboios passariam sempre. E eu estaria a pensar nas palavras do amor, naquilo que se pode dizer quando a extrema solidão nos dá um talento inconcebível. O meu talento seria o máximo talento de um homem e devia reter, apenas pela sua força silenciosa, essa pessoa defronte da porta, a poucos metros, à distância de um simples movimento caloroso. Mas nesse instante ser-me-ia revelada a essencial crueldade do espírito. Penso que desejaria somente a presença incógnita e solitária dessa pessoa atrás da porta. Ela não deveria bater, solicitar, inquirir”, conta-nos Herberto Helder na magnífica prosa a que nos habituou.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Um grito na vida: Alain Resnais



Amor Eterno é um dos mais belos filmes do cineasta francês Alain Resnais. Nomeado em 1985 para cinco Césars, aborda, através das histórias de dois casais, os laços estreitos e ambíguos entre o amor e a morte, o prazer e a dor, a paixão e a solidão., tratando estas questões profundas de forma simples e directa. Judith e Jerôme Martignac vivem juntos há dez anos, num clima de profunda cumplicidade e exaltação. São os dois pastores protestantes, apesar de terem concepções pessoais bastante diferentes da fé. Já a história de amor de Elisabeth Sutter e Simon Roche, que estão juntos há apenas dois meses, é atravessada pelo medo da separação que eles julgam ser iminente. Simon está bastante doente e não quer recorrer a qualquer teste médico. Elisabeth e Simon são, assim, dois seres contrastantes, mas que se completam: ela luminosa e radiosa pela graça do amor, ele sombrio e torturado por uma lembrança angustiante.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

sábado, 3 de abril de 2010

Grito 30

Passaste-me

Passas por mim e já nada me dói. Passaste-me. Só me apetece a cama quente de Inverno, a televisão ligada a um canto a fingir que está ali alguém, os jornais do fim-de-semana quase a serem lidos e ninguém por perto para opinar sobre as minhas rotinas. Passaste-me. E esse pensamento ocupa-me. Doeu tanto, chorei, gritei, mordi os lábios para não chorar em lugares públicos, apertei as mãos vazias, achei que morria, ninguém como tu. E olha o que aconteceu: passaste-me completamente; passaste-me ao lado. Que desperdício de tempo e disponibilidade interior: gostar, cumprir rituais, desencontrar, sofrer, deixar de gostar e pensar em tudo isto. E agora eu aqui, deitada na cama sem me apetecer fazer seja o que for que não isto: pensar sobre isto. Sinto-me estranha por me teres passado. É como se tivesse estado muito tempo doente e agora a saúde faz-me mal. Apetece-me este quarto familiar, os meus objectos, o comando da televisão para fazer zapping e encher o quarto de diferentes luminosidades. Quero o habitual para me ajudar a suportar o diferente. Eu era uma ferida aberta e qualquer gesto teu, qualquer movimento, palavra, atitude faziam sangrar e crescer a ferida. Ninguém me podia tocar. Tudo me doía. Até o carinho de outros me fazia mal. Parecia uma coisa do diabo. Mas não era, era mesmo uma coisa muito minha. Uma forma própria de sofrer no limite do tolerável e depois voltar à vida semi-anestesiada. Aprendi isto a correr. Corri sempre muito e sempre acima das minhas forças. No fim de cada corrida, estava pronta para cair para o lado, desmaiar e precisava sempre de algum tempo para me restabelecer. Na vez seguinte fazia o mesmo e nunca deixei de o fazer. Ganhei resistência, aquele fundo dos maratonistas, e isso reflectiu-se no resto da minha vida. Por isso, quando me passaste, quando me deixaste de doer não fiquei muito surpreendida. Apenas vazia daquela dor que me fazia companhia, que me identificava. Quem seria eu sem a tua memória, sem ti? A minha memória de ti estava completamente desactualizada, não te via há anos, mas era uma memória fiel que me recordava do que tínhamos sido capazes. E fomos muito capazes, demasiado. Até que aparece a dor sob a forma de ciúme, raiva, mágoa e eis que dois gigantes lutam na fúria dos sentimentos, à espera, cada um, de ficar com o bocado menor de sofrimento. Tiveste sorte. Ou tive azar. Eu passei-te melhor: quase não sangraste nem adoeceste. Ouvi dizer que te escondeste um pouco para não te verem sofrer. E é justo que assim seja.