sexta-feira, 23 de abril de 2010

Grito 32

Vinte minutos

Tenho vinte minutos para te explicar porque é que devemos ficar juntos para o resto da vida. Estás muito zangado comigo, pouco receptivo a qualquer argumentação, sobretudo minha, estás com pressa e preparas todas as defesas para viveres sem mim com muito pouco sofrimento. Olho para ti e é isso que vejo – que partes, que te afastas, que te impacientas, que queres ir embora sem mim, que anseias por estar noutro lado qualquer e o tempo a passar… Já só tenho dezanove minutos e a passagem do tempo apenas me entontece e me rouba toda a criatividade que sempre me caracterizou e me ajudou nestes momentos, já nossos conhecidos. Dezoito minutos e tu olhas o relógio do teu telemóvel, brincas com o telemóvel, olhas para mim, estás à espera sem quereres estar. Eu aperto as mãos, olho-te, olho o teu telemóvel, tusso de forma forçada, apenas quero ganhar tempo e não gastá-lo. Sinto-me desesperada. Amo-te e é tudo. Tenho pena que isso não seja suficiente para te fazer ficar. Seria se também me amasses, sem razão nenhuma. Precisas que te explique porque deves ficar comigo e isso parece-me inadmissível e no entanto sujeito-me a isso como se fosse a prova de toda a minha existência. Sobram dezassete minutos: afinal ainda tenho tempo, apenas preciso de me acalmar e pensar naquilo que é importante para nós dois: o cinema, o sexo, os passeios de bicicleta, os abraços durante a noite, o nosso cheiro, o cão… não vais querer desistir de tudo isto, pois não? Estou convencida de que vou convencer-te. E agora dezasseis minutos quase parecem uma eternidade. Olho-te com devoção e tu tens um olhar interrogativo, mas duro, difícil. Levanto-me, respiro fundo, dou uma volta à sala, volto a olhar-te de um outro ângulo e perco mais um minuto a achar-te bonito. Quinze minutos me separam da alegria ou da tristeza. Sei que sou capaz de lutar pela alegria e, no entanto, não me sinto mal se não conseguir e ficar triste. Não sei se no fundo não desejo que me deixes, que resistas à minha argumentação, à minha lógica. Esta ambiguidade esteve sempre presente em mim acabando por me proteger nestes momentos. Catorze minutos. O teu suspiro acorda-me para a realidade. Tenho muitas coisas para te dizer mas nenhuma me parece suficientemente importante para que fiques ou para que partas. Sinto coisas boas em relação a ti mas talvez não seja suficiente para ti. Talvez a forma como te amo te incomode, te destabilize e eu posso compreender isso. Só treze minutos e a tua impaciência começa a tornar-se palpável; o silêncio incomoda-te, precisas de ruídos que ocupem os espaços e justifiquem a tua atenção ou desatenção. Não és imperfeito, mas só as tuas imperfeições me ocorrem agora e quase te detesto por me levares a esta situação. E doze minutos é tudo o que tenho agora. Esta será provavelmente a tua última prenda para mim – dás-me tempo para te seduzir, para te persuadir de que valho a pena, de que valemos a pena juntos. Mas é verdade que estou confusa. Este acontecimento degrada em mim o que tenho de melhor. Onze minutos e o teu telemóvel toca. Atendes e sinto o teu alívio ao fugir do nosso silêncio. O teu rosto suaviza-se e ficas mais bonito, mais feliz e eu tenho saudades de te inspirar essa expressão. Metade do tempo passou e tu estás ao telefone ainda. Não sei se te agradeça ou te censure por ocupares este tempo em algo exterior a nós. Nove, oito, sete minutos e as minhas mãos começam a tremer. Grito-te, ordenando-te que desligues o telefone, que estamos a conversar sobre a nossa vida, que não tens o direito de fugir disso, que não tenho que contar os minutos sozinha, que és um egoísta, que me ignoras. Grito-te muito. Desligas o telefone e o teu semblante volta a ficar pesado. Olhas para o visor do telemóvel e percebes que só faltam seis minutos e que o tormento em breve terminará. Tens as tuas coisas a fazer, claro. Eu sou apenas mais uma e já estás a ultrapassar o tempo que previste dedicar-me. Cinco minutos e eu acalmei-me bastante. Mas não tenho nada para te oferecer para que fiques. Disse-te tudo, já. Melhor, gritei-te tudo. Quatro minutos e percebo nos teus movimentos que preparas a partida, a despedida. Procuras alguma coisa nos bolsos, ou finges que procuras. Três minutos e estamos já apaziguados com a ideia de fim. E, de repente, abraças-me com força e assim ficamos. No fim do abraço consigo apalpar a separação. Dois minutos e os nossos olhos procuram a cumplicidade, algo antigo. Um minuto e já não consigo ficar até ao fim. Desato a correr.

Sem comentários:

Enviar um comentário