segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Um grito na vida: Polanski
A primeira longa-metragem de Polanski foi Nóz w Wodzie (A Faca na Água, 1962), um intenso drama psicológico repleto de simbolismo situado num iate alugado por um casal que resolve acolher um estudante que irá abalar o seu casamento.
terça-feira, 30 de novembro de 2010
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Grito 45
De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.
E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.
Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.
Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.
Natália Correia
e quanto mais amada mais desisto
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.
E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.
Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.
Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.
Natália Correia
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Kean, Sartre
terça-feira, 16 de novembro de 2010
Um grito na vida: Truffaut
Na cidade de Grenoble a responsável por um clube de ténis conta os trágicos acontecimentos que aconteceram quando um homem que é casado tem novos vizinhos e fica surpreso ao ver que a mulher do novo vizinho já esteve envolvida com ele, há oito anos atrás. Ambos comportam-se como se não conhecessem mas, pouco depois, o caso deles recomeça. No meio de uma festa ele perde o controle de uma situação muito embaraçosa e o passado é relembrado, deixando toda a situação mais tensa.
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
domingo, 31 de outubro de 2010
Grito 44
ARTE POÉTICA
A poesia não está nas olheiras imorais de Ofélia
nem no jardim dos lilases.
A poesia está na vida,
nas artérias imensas cheias de gente em todos os sentidos,
nos ascensores constantes,
na bicha de automóveis rápidos de todos os feitios e de todas as cores,
nas máquinas da fábrica e nos operários da fábrica
e no fumo da fábrica.
A poesia está no grito do rapaz apregoando jornais,
no vaivém de milhões de pessoas conversando ou praguejando ou rindo.
Está no riso da loira da tabacaria,
vendendo um maço de tabaco e uma caixa de fósforos.
Está nos pulmões de aço cortando o espaço e o mar.
A poesia está na doca,
nos braços negros dos carregadores de carvão,
no beijo que se trocou no minuto entre o trabalho e o jantar
— e só durou esse minuto.
A poesia está em tudo quanto vive, em todo o movimento,
nas rodas do comboio a caminho, a caminho, a caminho
de terras sempre mais longe,
nas mãos sem luvas que se estendem para seios sem véus,
na angústia da vida.
A poesia está na luta dos homens,
está nos olhos abertos para amanhã.
Mário Dionísio
A poesia não está nas olheiras imorais de Ofélia
nem no jardim dos lilases.
A poesia está na vida,
nas artérias imensas cheias de gente em todos os sentidos,
nos ascensores constantes,
na bicha de automóveis rápidos de todos os feitios e de todas as cores,
nas máquinas da fábrica e nos operários da fábrica
e no fumo da fábrica.
A poesia está no grito do rapaz apregoando jornais,
no vaivém de milhões de pessoas conversando ou praguejando ou rindo.
Está no riso da loira da tabacaria,
vendendo um maço de tabaco e uma caixa de fósforos.
Está nos pulmões de aço cortando o espaço e o mar.
A poesia está na doca,
nos braços negros dos carregadores de carvão,
no beijo que se trocou no minuto entre o trabalho e o jantar
— e só durou esse minuto.
A poesia está em tudo quanto vive, em todo o movimento,
nas rodas do comboio a caminho, a caminho, a caminho
de terras sempre mais longe,
nas mãos sem luvas que se estendem para seios sem véus,
na angústia da vida.
A poesia está na luta dos homens,
está nos olhos abertos para amanhã.
Mário Dionísio
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Nenhuma palavra e nenhuma lembrança, Manuel António Pina
“Nunca como neste último livro foi tão profunda, exaustiva e cativante a interrogação de Manuel António Pina sobre o poder-ser da poesia e a sua ínvia relação com a memória. (…) Nesse sentido, e para lá da insistente melancolia que atravessa este livro, talvez pudéssemos falar de uma mística da escrita poética, particularmente visível numa fórmula adaptada de Angelus Silésius: "Escrever sem porquê" (pág. 52). Apesar de reconhecida a fragilidade das palavras (‘também elas são mortais’ — pág. 23) ou até do facto de estas serem questionadas como caminho para a morte ("não é a morte o que as palavras procuram?" — pág. 12), prevalece uma obstinação de dizer. Obstinação que se funda em si mesma, de um modo desencantado, é certo, mas também jubiloso, porque capaz de inquieta e inquietante poesia: "Como saberei o que fazer com tantas palavras,/ náufrago de palavras/ na tormenta de antigos sentidos/ e de antigas dúvidas,/ sem outra coisa que me proteja/ senão mais palavras?" (pág. 26). E são livros, como este, discretamente essenciais, que nos provam que, afinal, até há naufrágios felizes”.
Manuel de Freitas, in “As palavras escrevem-se no escuro”, Expresso, 16 de Outubro de 1999.
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Um grito na vida: Sofia Coppola, outra vez
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
Grito 43
Amigo
Mal nos conhecemos
Inauguramos a palavra amigo!
Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.
Amigo é a solidão derrotada!
Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!
Alexandre O'Neill
Mal nos conhecemos
Inauguramos a palavra amigo!
Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.
Amigo é a solidão derrotada!
Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!
Alexandre O'Neill
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Um grito em forma de livro: Adoecer, Hélia Correia
Adoecer, de Hélia Correia, é um livro fascinante na forma e no conteúdo. Na forma porque dá asas literárias aos limites da História. No conteúdo porque ousa ser singular ao abordar a vida de um conjunto de criadores artísticos do século XIX inglês que ficaram conhecidos como pré- -rafaelitas, um universo muito pouco frequentado pelos romancistas portugueses.
Que sorte que Hélia Correia se tenha obcecado pelo quadro “Ophelia” de John Everett Millais e pela mulher já meio mineral que o protagoniza: Elizabeth Eleanor Siddal, pintora, poeta e modelo. A ruiva, musa e amante que incendiou a vida criativa de Dante Gabriel Rossetti.
Adoecer é seminal na definição do romantismo para leitores até agora distraídos: uma teia intricada de um mal-estar melancólico, febril, que se projecta num futuro que pedirá uma arqueologia amorosa como a que Hélia Correia exerce quase 150 anos depois de Lizzie estar morta e com ela ter sido enterrada uma parceria artística e amorosa fundamental para compreender uma página importante da História da arte ocidental.
Hélia Correia é generosa na partilha do que viu, do que descobriu, confirmou, mas também de mistérios que permanecerão, como o de olhar de Lizzie na forma como ainda hoje nos interpela na Red House, em Upton: “ Olha para fora do enquadramento, para longe dos outros, tão alheia que a tomariam facilmente por alguém que se perdeu e ainda procura o seu caminho. (…) Não há um rosto mais angustiado na história da pintura que, no entanto, sempre atentou bastante nos martírios.”
Rui Lagartinho
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Um grito na vida: Sofia Coppola
Sofia Coppola, mais conhecida como filha do produtor e director de cinema Francis Ford Coppola, realizou, na sua estreia na direcção, um filme belíssimo. As Virgens Suicídas, uma adaptação do romance americano homónimo de Jeffrey Eugenides, passa-se no coração dos anos 70, num subúrbio americano como tantos. O filme conta a história de cinco raparigas adolescentes lidando com o seu desenvolvimento numa família com pais opressores e uma sociedade em vias de transformação.
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
domingo, 5 de setembro de 2010
Grito 42
ROSTO
Rosto nu na luz directa.
Rosto suspenso, despido e permeável,
Osmose lenta.
Boca entreaberta como se bebesse,
Cabeça atenta.
Rosto desfeito,
Rosto sem recusa onde nada se defende,
Rosto que se dá na duvida do pedido,
Rosto que as vozes atravessam.
Rosto derivando lentamente,
Pressentindo que os laranjais segredam,
Rosto abandonado e transparente
Que as negras noites de amor em si recebem
Longos raios de frio correm sobre o mar
Em silêncio ergueram-se as paisagens
E eu toco a solidão como uma pedra.
Rosto perdido
Que amargos ventos de secura em si sepultam
E que as ondas do mar puríssimas lamentam.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESSEN
Rosto nu na luz directa.
Rosto suspenso, despido e permeável,
Osmose lenta.
Boca entreaberta como se bebesse,
Cabeça atenta.
Rosto desfeito,
Rosto sem recusa onde nada se defende,
Rosto que se dá na duvida do pedido,
Rosto que as vozes atravessam.
Rosto derivando lentamente,
Pressentindo que os laranjais segredam,
Rosto abandonado e transparente
Que as negras noites de amor em si recebem
Longos raios de frio correm sobre o mar
Em silêncio ergueram-se as paisagens
E eu toco a solidão como uma pedra.
Rosto perdido
Que amargos ventos de secura em si sepultam
E que as ondas do mar puríssimas lamentam.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESSEN
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
Um grito em forma de livro: O Processo, Franz Kafka
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Um grito na vida: Nick Cassavetes
Written by the late John Cassavettes in 1987 and filmed by his son Nick a decade later, the comic drama She's So Lovely (originally and more appropriately titled She's De Lovely in honor of the Cole Porter composition central to the movie) stars real-life couple Sean Penn and Robin Wright-Penn as Eddie and Maureen, a young husband and wife whose relationship is strained by Eddie's frequently irrational behavior. When a run-in with a slimy neighbor (James Gandolfini) leaves the pregnant Maureen beaten and bruised, Eddie goes on the warpath, and his violent actions land him in a mental institution. Upon his release a decade later, he discovers Maureen has remarried (to a construction manager portrayed by John Travolta), had two more kids, and moved to the suburbs. Regardless, he resolves to win her back.
sábado, 14 de agosto de 2010
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Grito 41
Amor como em Casa
Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.
Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"
Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.
Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Um grito em forma de livro: A Viúva Grávida, Martin Amis
«Estamos no Verão de 1970 — um Verão longo e quente.
Num castelo em Itália, meia dúzia de jovens flutuam sobre um mar de mudança, apanhados na corrente da história da revolução sexual. As raparigas comportam-se como rapazes e os rapazes continuam a comportar-se como rapazes. E Keith Nearing — um estudante de literatura com vinte anos, às voltas com o romance inglês — luta para que o feminismo e o novo poder das mulheres reverta a seu favor.
A revolução sexual pode ter sido uma revolução de veludo, mas não aconteceu sem derramamento de sangue…
A Viúva Grávida é uma comédia de costumes, um pesadelo.
Um livro brilhante, assombroso e gloriosamente arriscado. É Martin Amis no melhor da sua audácia.»
domingo, 1 de agosto de 2010
Um grito na vida: Fellini
Roma, also known as Fellini's Roma, is a 1972 semi-autobiographical, poetic film depicting director Federico Fellini's move from his native Rimini to Rome as a youth. It is formed by a series of loosely connected episodes. The plot is minimal, and the only character to develop significantly is Rome herself. Peter Gonzales plays the young Fellini, and the film features mainly unknowns in the cast, but includes uncredited guest appearances by Anna Magnani, Marcello Mastroianni, Feodor Chaliapin, Jr., Alberto Sordi, Gore Vidal, John Francis Lane, Elliott Murphy and Fellini himself. The appearances by Marcello Mastroianni and Alberto Sordi were deleted in the later copies of the film and in VHS and DVD editions. The film was screened at the 1972 Cannes Film Festival, but wasn't entered into the main competition.
sexta-feira, 30 de julho de 2010
quinta-feira, 29 de julho de 2010
Grito 40
Adeus! Caro de Mais te Possuía
Adeus! caro de mais te possuía,
sabes a estimativa em que te trazem;
carta de teu valor dá-te franquia,
meus vínculos a ti já se desfazem.
Como reter-te sem consentimento
e onde mereço essa riqueza grada?
Falece a causa em mim de tal provento
e a patente que tenho é revogada.
Deste-me, sem saber do teu valor,
ou quanto a mim, a quem o deste, errando,
e a dávida que em base errada for
volta a casa, melhor se ponderando.
Tive-te assim qual sonho de embalar,
um rei no sono e nada ao acordar.
William Shakespeare, in "Sonetos (87)"
Adeus! caro de mais te possuía,
sabes a estimativa em que te trazem;
carta de teu valor dá-te franquia,
meus vínculos a ti já se desfazem.
Como reter-te sem consentimento
e onde mereço essa riqueza grada?
Falece a causa em mim de tal provento
e a patente que tenho é revogada.
Deste-me, sem saber do teu valor,
ou quanto a mim, a quem o deste, errando,
e a dávida que em base errada for
volta a casa, melhor se ponderando.
Tive-te assim qual sonho de embalar,
um rei no sono e nada ao acordar.
William Shakespeare, in "Sonetos (87)"
quarta-feira, 28 de julho de 2010
Um grito em forma de livro: Pergunta ao Pó, John Fante
O que nos é narrado em Pergunta ao Pó não se resume a um relato das privações sentidas por um jovem a braços com o desejo de se afirmar enquanto escritor. O registo humorístico alterna com passagens de uma ternura impressionante, a capacidade de convocar situações que permitem traçar o essencial de uma personalidade hesitante, tão cruel quão apaixonada, permitem-nos formular uma imagem de Fante a partir da caricatura que acaba por ser Arturo Bandini. É neste contexto que o amor sentido por Camilla Lopez, uma empregada de café de origem mexicana, nos situa num lugar de desolação que tem por fundo a paisagem do deserto de Mojave. O termo da história é de uma comoção sem limites. A imagem de Bandini a lançar um exemplar do seu primeiro romance na direcção que a amada em fuga havia tomado faz-nos pensar numa espécie de conflito presente em toda a obra: um conflito, nem sempre claro, entre o acto de escrever e o sentimento de amar.
sábado, 24 de julho de 2010
Um grito na vida: Wayne Wang
The plot of this movie, like smoke itself, drifts and swirls ethereally. Characters and subplots are deftly woven into a tapestry of stories and pictures which only slowly emerges to our view. This film tries to convince us that reality doesn't matter so much as aesthetic satisfaction. In Auggie's New York smoke shop, day by day passes, seemingly unchanging until he teaches us to notice the little details of life. Paul Benjamin, a disheartened and broken writer, has a brush with death that is pivotal and sets up an unlikely series of events that afford him a novel glimpse into the life on the street which he saw, but did not truly perceive, every day.
quarta-feira, 14 de julho de 2010
segunda-feira, 28 de junho de 2010
Grito 39
O AMOR EM VISITA
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.
Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes
ele - imagem inacessível e casta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.
Ah! em cada mulher existe uma morte silenciosa;
e enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
- Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.
Dai-me uma mulher tão nova como a resina
e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.
E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Beberei sua boca, para depois cantar a morte
e a alegria da morte.
Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da noite.
- Então cantarei a exaltante alegria da morte.
Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela
despenhada de sua órbita viva.
- Porém, tu sempre me incendeias.
Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite
imagem pungente
com seu deus esmagado e ascendido.
- Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura.
Entontece meu hálito com a sombra,
tua boca penetra a minha voz como a espada
se perde no arco.
E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo
se desfibra - invento para ti a música, a loucura
e o mar.
Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.
E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mãos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo -
eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem
teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada beleza.
Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua noite e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.
Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida - e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém
teu silêncio de fogo e leite repõe
a força maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da música nocturna.
Mais inocente que as árvores, mais vasta
que a pedra e a morte,
a carne cresce em seu espírito cego e abstracto,
tinge a aurora pobre,
insiste de violência a imobilidade aquática.
E os astros quebram-se em luz sobre
as casas, a cidade arrebata-se,
os bichos erguem seus olhos dementes,
arde a madeira - para que tudo cante
pelo teu poder fechado.
Com minha face cheia de teu espanto e beleza,
eu sei quanto és o íntimo pudor
e a água inicial de outros sentidos.
Começa o tempo onde a mulher começa,
é sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a auréola,
a sombra canta baixo.
Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua,
onde a beleza que transportas como um peso árduo
se quebra em glória junto ao meu flanco
martirizado e vivo.
- Para consagração da noite erguerei um violino,
beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada
darei minha voz confundida com a tua.
Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.
Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho, o tempo onde
a vária dor envolve o barro e a estrela, onde
o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida
ingénua e cara, o que pressente o coração
engasta seu contorno de lume ao longe.
Bom será o tempo, bom será o espírito,
boa será nossa carne presa e morosa.
- Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.
Estás profundamente na pedra e a pedra em mim, ó urna
salina, imagem fechada em sua força e pungência.
E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado
em torno das violas, a morte que não beijo,
a erva incendiada que se derrama na íntima noite
- o que se perde de ti, minha voz o renova
num estilo de prata viva.
Quando o fruto empolga um instante a eternidade
inteira, eu estou no fruto como sol
e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada
matriz de sumo e vivo gosto.
- E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das nuvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.
Se te apreendessem minhas mãos, forma do vento
na cevada pura, de ti viriam cheias
minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses
em minha espuma,
que frescura indecisa ficaria no meu sorriso?
- No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.
Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
- Eu devo rasgar minha face para que a tua face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.
As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso
jovem da carne aspiram longamente
a nossa vida. As sombras que rodeiam
o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto
seu bárbaro fulgor, o rosto divino
impresso no lodo, a casa morta, a montanha
inspirada, o mar, os centauros do crepúsculo
- aspiram longamente a nossa vida.
Por isso é que estamos morrendo na boca
um do outro. Por isso é que
nos desfazemos no arco do verão, no pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho, no mosto aberto
- no amor mais terrível do que a vida.
Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.
E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas
maravilhosas da noite. Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.
De meu recente coração a vida inteira sobe,
o povo renasce,
o tempo ganha a alma. Meu desejo devora
a flor do vinho, envolve tuas ancas com uma espuma
de crepúsculos e crateras.
Ó pensada corola de linho, mulher que a fome
encanta pela noite equilibrada, imponderável -
em cada espasmo eu morrerei contigo.
E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.
Herberto Helder
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.
Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes
ele - imagem inacessível e casta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.
Ah! em cada mulher existe uma morte silenciosa;
e enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
- Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.
Dai-me uma mulher tão nova como a resina
e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.
E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Beberei sua boca, para depois cantar a morte
e a alegria da morte.
Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da noite.
- Então cantarei a exaltante alegria da morte.
Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela
despenhada de sua órbita viva.
- Porém, tu sempre me incendeias.
Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite
imagem pungente
com seu deus esmagado e ascendido.
- Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura.
Entontece meu hálito com a sombra,
tua boca penetra a minha voz como a espada
se perde no arco.
E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo
se desfibra - invento para ti a música, a loucura
e o mar.
Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.
E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mãos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo -
eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem
teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada beleza.
Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua noite e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.
Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida - e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém
teu silêncio de fogo e leite repõe
a força maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da música nocturna.
Mais inocente que as árvores, mais vasta
que a pedra e a morte,
a carne cresce em seu espírito cego e abstracto,
tinge a aurora pobre,
insiste de violência a imobilidade aquática.
E os astros quebram-se em luz sobre
as casas, a cidade arrebata-se,
os bichos erguem seus olhos dementes,
arde a madeira - para que tudo cante
pelo teu poder fechado.
Com minha face cheia de teu espanto e beleza,
eu sei quanto és o íntimo pudor
e a água inicial de outros sentidos.
Começa o tempo onde a mulher começa,
é sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a auréola,
a sombra canta baixo.
Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua,
onde a beleza que transportas como um peso árduo
se quebra em glória junto ao meu flanco
martirizado e vivo.
- Para consagração da noite erguerei um violino,
beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada
darei minha voz confundida com a tua.
Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.
Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho, o tempo onde
a vária dor envolve o barro e a estrela, onde
o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida
ingénua e cara, o que pressente o coração
engasta seu contorno de lume ao longe.
Bom será o tempo, bom será o espírito,
boa será nossa carne presa e morosa.
- Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.
Estás profundamente na pedra e a pedra em mim, ó urna
salina, imagem fechada em sua força e pungência.
E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado
em torno das violas, a morte que não beijo,
a erva incendiada que se derrama na íntima noite
- o que se perde de ti, minha voz o renova
num estilo de prata viva.
Quando o fruto empolga um instante a eternidade
inteira, eu estou no fruto como sol
e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada
matriz de sumo e vivo gosto.
- E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das nuvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.
Se te apreendessem minhas mãos, forma do vento
na cevada pura, de ti viriam cheias
minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses
em minha espuma,
que frescura indecisa ficaria no meu sorriso?
- No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.
Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
- Eu devo rasgar minha face para que a tua face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.
As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso
jovem da carne aspiram longamente
a nossa vida. As sombras que rodeiam
o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto
seu bárbaro fulgor, o rosto divino
impresso no lodo, a casa morta, a montanha
inspirada, o mar, os centauros do crepúsculo
- aspiram longamente a nossa vida.
Por isso é que estamos morrendo na boca
um do outro. Por isso é que
nos desfazemos no arco do verão, no pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho, no mosto aberto
- no amor mais terrível do que a vida.
Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.
E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas
maravilhosas da noite. Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.
De meu recente coração a vida inteira sobe,
o povo renasce,
o tempo ganha a alma. Meu desejo devora
a flor do vinho, envolve tuas ancas com uma espuma
de crepúsculos e crateras.
Ó pensada corola de linho, mulher que a fome
encanta pela noite equilibrada, imponderável -
em cada espasmo eu morrerei contigo.
E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.
Herberto Helder
sábado, 26 de junho de 2010
Um grito em forma de livro: Madame Bovary, Flaubert
Madame Bovary é um dos mais belos romances de lingua francesa, ou porque não dizer, um dos mais belos e elaborados romances escritos durante a história da humanidade.Escrito por Gustave Flaubert, a narração parte de uma experiência do escritor, médico de profissão, escritor por vocação, que, estando em Rouen, perto de Paris, toma conhecimento do suicídio de uma jovem senhora, que depois de ter levado o marido à ruina ingere veneno e morre. Flaubert pesquisou durante oito anos a vida desta senhora e, como requer o romance realista, em posse de dados muito próximos da realidade escreve o romance, que lhe custou um processo por ultraje à moral do qual se livrou alegando ter escrito o livro como forma de mostrar qual deve ser o fim de uma mulher adúltera. O livro narra a história de Ema Bovary, esposa do médico Charles Bovary, um homem fracassado e medíocre que desperta na mulher todos os sentimentos contrários aquilo que havia idealizado durante a juventude.
segunda-feira, 21 de junho de 2010
Um grito na vida: Cuckor, Minnelli
Lust for Life é um filme baseado na novela Lust for Life de Irving Stone. Encarnado por um excelente Kirk Douglas, o filme vai narrando as tribulações de Vão Gogh desde os seus primeiros flirts com a religião nas regiões pobres da Bélgica, até ao seu contacto com os pintores impresionistas localizados em Paris, passando pelos seus primeiros contactos com a pintura no seu país natal (na qual desenhava os camponeses realizando as tarefas mais quotidianas), pelas suas relações amorosas e amistosas instáveis e o vínculo afectivo mais importante que manteve, com o seu irmão Theo, familiar que o ajudou durante toda a vida, tanto emocional como economicamente, para que Vincent pudesse sobreviver no lugar onde estivesse.
quarta-feira, 16 de junho de 2010
terça-feira, 15 de junho de 2010
Grito 38
O que há em mim é sobretudo cansaço
O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...
Álvaro de Campos
O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...
Álvaro de Campos
domingo, 13 de junho de 2010
Um grito em forma de livro: O conhecimento da dor, Carlo Emílio Gadda
Tendo como pano de fundo um imaginário país da América do Sul, ""O Conhecimento da Dor"" é uma sátira amarga, onde a sociedade milanesa é escalpelizada pela extraordinária inventiva estilística de Gadda. Carlo Emilio Gadda (...) é considerado um dos mais importantes ecritores do século XX, em boa parte responsável pela renovação da literatura italiana do nosso tempo. ""O Conhecimento da Dor"", que em 1963 obteve o Prémio Internacional de Literatura (um prémio criado em 1960 pelo editor espanhol Carlos Barral e por sete outros editores europeus), pertence ao pequeno grupo das obras mais arrebatadoras das letras italianas.
sexta-feira, 11 de junho de 2010
Um grito na vida: Scorsese
An original screenplay by John Logan, The Aviator tells the story of aviation pioneer Howard Hughes (DiCaprio), the eccentric billionaire industrialist and Hollywood film mogul, famous for romancing some of the world's most beautiful women. The drama recounts the years of his life from the late 1920s though the 1940s, an epoch when Hughes was directing and producing Hollywood movies and test flying innovative aircraft he designed and created. A daredevil pilot, the most famous flyer since Charles Lindbergh, Hughes became a major force in commercial aviation. He was a mythic figure in the America of his day, imbued with an aura of excitement, glamour and mystery.
domingo, 6 de junho de 2010
quinta-feira, 3 de junho de 2010
Grito 37
Gosto de livros. Velhos e cheios de pó. Mas também novos com capas reluzentes e páginas estaladiças. Gosto de abrir jornais e revistas. Gosto do cheiro do papel. Da utilidade da esferográfica. Da intuição perspicaz da mãe. Dos olhos do pai. Do sorriso da Maria Miguel. Da lentidão do Francisco. De ginástica. De roupa encharcada em suor. De corpos bem definidos. De virilidade. De sexo feito com convicção. De amor, paixão, vertigem. Gosto de fazer malas e desfazer malas. Gosto de férias longe de casa. Gosto de regressar a casa. Gosto de partir e ficar com a sensação de ter partido. Gosto de luxo: gosto da natureza. Da praia, do mar, das árvores, das montanhas e dos rios. Gosto de paisagens fortes. Gosto de casas reconstruídas. Gosto da sensação de aproveitamento. Gosto do preto: da noite, do luto, das roupas e do calçado. Gosto de cinema: de Bergman e de Visconti, mas também de Spielberg e de Scorcese. Gosto de drama. Lágrimas e suspiros. Gosto do sofrimento envergonhado. Gosto do pudor. Da contenção. Mas gosto das explosões e dos risos fortes.
quinta-feira, 27 de maio de 2010
Um grito em forma de livro: Entre os actos, Virginia Woolf
Entre os Actos foi o último romance de Virginia Woolf, publicado após a sua morte. Apesar de ser o mais curto dos seus livros, é aquele em que o experimentalismo que ela sempre cultivou se revela mais radicalmente. A sua acção transcorre em apenas um dia e, esquematicamente, pode dizer-se que representa a luta da civilização contra a selva.
Aqui também nota-se que Virginia Woolf se disfarça sob os traços de uma das suas personagens: a burlesca, rude e solitária Miss La Trobe, directora de um espetáculo teatral que serve de pretexto e motivação para tudo o que transcorre “entre” seus “actos”.
terça-feira, 25 de maio de 2010
Um grito na vida: Mike Nichols
sexta-feira, 21 de maio de 2010
quinta-feira, 20 de maio de 2010
Grito 36
Os meus olhos só vêm para dentro e não para fora. Consigo ver o interior do cérebro, mas não o dia a amanhecer. Estou aqui para que me ajude a ver para fora de mim. Já li sobre isto e uns dizem que é um mecanismo de defesa, outros dizem que é uma fuga e outros que é uma doença mental maligna, isto é, sem cura. Mas falaram-me de si e fiquei cheia de esperança. Só quero ver como todas as pessoas, mesmo que tenha que usar óculos que não uso. Só queria ser normal...
terça-feira, 18 de maio de 2010
Um grito em forma de livro: Conhecer uma mulher, Amós Oz
Conhecer uma mulher, de Amós Oz, o mais importante escritor israelita contemporâneo, lança um olhar atento e sensível sobre os mistérios que, escondidos em cada um de nós, unem e separam as pessoas.Depois de trabalhar para o serviço de informações durante 23 anos, o agente secreto Yoel Ravid passa em revista a sua vida profissional e familiar. Afastado do serviço, ao tentar entender a nova ordem de enigmas surgida do seu convívio com o quotidiano da vida familiar, Yoel vê desmoronar as suas táticas profissionais. Diante da trágica morte da esposa, procura compreender a mulher que, apesar de amar, ele nunca conheceu completamente; com ela travou durante anos uma batalha subterrânea cujos motivos também lhe escapam. A história de Yoel, assim como a daqueles que o rodeiam - a filha epiléptica, a sensual vizinha americana e seu irmão voyeur, o corretor de imóveis Krantz, a rapariga de Bangkok -, está repleta de enigmas, de pontos em suspenso que, como uma linguagem em código, exigem decifração.Numa prosa marcada pelo equilíbrio entre concisão e expressividade, Amós Oz traça as linhas que fazem do passado e do presente matéria de uma contínua reflexão e ponto de partida para a descoberta de novas possibilidades de conduta. A trajetória de Yoel Ravid, que tem aproximadamente a mesma idade do Estado de Israel, pode ser lida como uma sutil alegoria da situação política israelita. Conhecer uma mulher é, assim, um romance arquitectado com rara versatilidade: história de detetive entrelaçada com uma aventura doméstica e existencialista, que põe o conhecimento de si mesmo e do outro como a mais premente missão.Conhecer uma mulher foi lançado em Israel e publicado nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França, Espanha, Holanda, Itália, Portugal, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Grécia, Hungria e Polónia.
quinta-feira, 13 de maio de 2010
Um grito na vida: Oliver Stone
Nixon is a 1995 American biographical film directed by Oliver Stone for Cinergi Pictures that tells the story of the political and personal life of former US President Richard Nixon, played by Anthony Hopkins. The film portrays Nixon as a complex and, in many respects, an admirable person, though deeply flawed. Unlike Stone's earlier film JFK, Nixon begins with a disclaimer that the film is "an attempt to understand the truth [...] based on numerous public sources and on an incomplete historical record".
quarta-feira, 12 de maio de 2010
terça-feira, 11 de maio de 2010
Grito 35
Gosto de ter saudades do tempo em que as cores eram propriedade dos objectos: campo verde, céu azul, noite negra, rio dourado, sangue vermelho, sol amarelo, tronco castanho, véu branco, chuva cinzenta. Gosto de mudanças ( embora nem sempre goste daquilo para o que se muda) .Gosto de sofás quentes e confortáveis. Mesas lisas. Paredes vazias. Gosto de aparelhagem média e audiovisual negra. Gosto de música difícil. Gosto de quase tudo o que escrevi mesmo daquilo que me envergonho de ter escrito. Gosto do êxito e do sucesso. Dos outros. De alguns outros. Gosto do sentimento de vazio que fica por não acreditar em deus. Gosto do sofrimento que coloco nas coisas à minha volta. Mas gosto de crucifixos e de batons. E de mãos a mexerem nos cabelos e nos pés. Gosto de massagens rente ao chão. Gosto de reconstruir cenários descritos em passagens de livros importantes para mim. Gosto de pessoas. Inteligentes e bonitas. Mas também tristes e deprimidas. Sós. Perdidas. Com dúvidas.
domingo, 9 de maio de 2010
Um grito em forma de livro: Levantado do chão, José Saramago
"Um escritor é um homem como os outros: sonha. E o meu sonho foi o de poder dizer deste livro, quando terminasse: "Isto é um livro sobre o Alentejo." Um livro, um simples romance, gentes, conflitos, alguns amores, muitos sacrifícios e grandes fomes, as vitórias e os desastres, a aprendizagem da transformação, e mortes. É portanto um livro que quis aproximar-se da vida, e essa seria a sua mais merecida explicação. Leva como título e nome, para procurar e ser procurado estas palavras sem nenhuma glória-«Levantado do Chão». Do chão sabemos que se levantam as searas e as árvores, levantam-se os animais que correm os campos ou voam por cima deles, levantam-se os homens e as suas esperanças. Também do chão pode levantar-se um livro, como uma espiga de trigo ou uma flor brava. Ou uma ave. Ou uma bandeira. Enfim, cá estou eu outra vez a sonhar. Como os homens a quem me dirijo."
sexta-feira, 7 de maio de 2010
Um grito na vida: David Cronenberg
Dennis Clegg is in his thirties and lives in a halfway house for the mentally ill in London. Dennis, nicknamed "Spider" by his mother has been institutionalized with acute schizophrenia for some 20 years. He has never truly recovered, however, and as the story progresses we vicariously experience his increasingly fragile grip on reality. Written by Erwin van Moll
quinta-feira, 6 de maio de 2010
quarta-feira, 5 de maio de 2010
Grito 34
Sinto-me tão perdida, disse ela. Deixou cair uma lágrima. Não sei onde pousar os pés. Não tenho para onde voltar. Perdi-me de vez. Isto é que é enlouquecer? É assim que se enlouquece? Não há nenhum medicamento para isto? Nenhuma terapia? Nenhuma palavra? Rolou outra lágrima pelo rosto, devagar. Suspirou. Respirou fundo. Sinto tanto medo. Posso ficar aqui esta noite? Não acolhe doentes? Nunca? Mas eu sou inofensiva. Só tive uma fase de luta armada que nunca concretizei. Mas sou inofensiva, excepto no que diz respeito a mim mesma. Aceito que os outros vivam de qualquer maneira. Mas eu não. Eu não. Sempre me questionei, me critiquei.
terça-feira, 4 de maio de 2010
Um grito em forma de livro: Primeiro Amor, Samuel Beckett
Primeiro Amor, de Samuel Beckett
Escrita em 1945 mas publicada somente em 1970, essa foi a primeira obra que o irlandês Beckett compôs em francês, língua em que mais tarde criaria peças fundamentais do teatro moderno, como Esperando Godot. Nesta edição, o texto ocupa apenas as páginas pares – as ímpares trazem expressivas manchas negras desenhadas pela tradutora. É um texto muito curto, para ler de uma só vez. Mas é também uma novela perturbadora, capaz de devastar qualquer ilusão romântica sugerida pelo título. O leitor termina o livro sem saber se o protagonista, um tipo desgarrado que se envolve com uma prostituta, é uma vítima ou um monstro.
sexta-feira, 30 de abril de 2010
Um grito na vida: Sidney Lumet
Equus é uma viagem pela consciência atormentada de um rapaz que é produto do meio onde viveu. O encadeamento racional e emocional das suas relações com os seus pais levam-no a uma jornada de luta e dor. E para compreendê-la é necessário conhecer os seus fundamentos e construir com ele o seu “universo paralelo”. Mas o risco é muito grande. Excelente filme de Lumet com uma actuação fantástica de Richard Burton e do protagonista. A discussão é acessível, palpável e não é exposta de forma complexa, embora o seja.
quinta-feira, 29 de abril de 2010
quarta-feira, 28 de abril de 2010
Grito 33
Talvez
Tenha nascido de ti
Só isso
Explica esta união esta parecença
Explica esta força
Talvez tenha nascido em ti
No sítio em que tu te dás
Em que jorras
Tenha nascido de ti
Só isso
Explica esta união esta parecença
Explica esta força
Talvez tenha nascido em ti
No sítio em que tu te dás
Em que jorras
segunda-feira, 26 de abril de 2010
Um grito em forma de livro: Uma breve carta para um longo adeus, Peter Handke
Em Uma breve carta para um longo adeus, Handke apresenta um narrador-protagonista numa viagem pela América, atravessando desertos, lugares inóspitos e vazios, vagamente motivado pela procura da sua mulher. Impossibilitado de realizar uma viagem de caráter iniciático que o faça compreender a si próprio e ao mundo que o cerca, é tomado pela perambulação, pela errância e pela deriva.
domingo, 25 de abril de 2010
Um grito na vida: Vsevolod Pudovkin
Vsevolod Pudovkin, A Mãe
Nikolai Batalov, um activista político russo da época dos czares, é preso e morre quando tenta escapar da cadeia. Depois dessa tragédia, Niovna-Vlasova, mãe de Nikolai, começa a questionar o horror imposto pelo regime czarista. Niovna empenha-se nas causas políticas do seu filho assassinado e acaba por ter o mesmo destino.
sábado, 24 de abril de 2010
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Grito 32
Vinte minutos
Tenho vinte minutos para te explicar porque é que devemos ficar juntos para o resto da vida. Estás muito zangado comigo, pouco receptivo a qualquer argumentação, sobretudo minha, estás com pressa e preparas todas as defesas para viveres sem mim com muito pouco sofrimento. Olho para ti e é isso que vejo – que partes, que te afastas, que te impacientas, que queres ir embora sem mim, que anseias por estar noutro lado qualquer e o tempo a passar… Já só tenho dezanove minutos e a passagem do tempo apenas me entontece e me rouba toda a criatividade que sempre me caracterizou e me ajudou nestes momentos, já nossos conhecidos. Dezoito minutos e tu olhas o relógio do teu telemóvel, brincas com o telemóvel, olhas para mim, estás à espera sem quereres estar. Eu aperto as mãos, olho-te, olho o teu telemóvel, tusso de forma forçada, apenas quero ganhar tempo e não gastá-lo. Sinto-me desesperada. Amo-te e é tudo. Tenho pena que isso não seja suficiente para te fazer ficar. Seria se também me amasses, sem razão nenhuma. Precisas que te explique porque deves ficar comigo e isso parece-me inadmissível e no entanto sujeito-me a isso como se fosse a prova de toda a minha existência. Sobram dezassete minutos: afinal ainda tenho tempo, apenas preciso de me acalmar e pensar naquilo que é importante para nós dois: o cinema, o sexo, os passeios de bicicleta, os abraços durante a noite, o nosso cheiro, o cão… não vais querer desistir de tudo isto, pois não? Estou convencida de que vou convencer-te. E agora dezasseis minutos quase parecem uma eternidade. Olho-te com devoção e tu tens um olhar interrogativo, mas duro, difícil. Levanto-me, respiro fundo, dou uma volta à sala, volto a olhar-te de um outro ângulo e perco mais um minuto a achar-te bonito. Quinze minutos me separam da alegria ou da tristeza. Sei que sou capaz de lutar pela alegria e, no entanto, não me sinto mal se não conseguir e ficar triste. Não sei se no fundo não desejo que me deixes, que resistas à minha argumentação, à minha lógica. Esta ambiguidade esteve sempre presente em mim acabando por me proteger nestes momentos. Catorze minutos. O teu suspiro acorda-me para a realidade. Tenho muitas coisas para te dizer mas nenhuma me parece suficientemente importante para que fiques ou para que partas. Sinto coisas boas em relação a ti mas talvez não seja suficiente para ti. Talvez a forma como te amo te incomode, te destabilize e eu posso compreender isso. Só treze minutos e a tua impaciência começa a tornar-se palpável; o silêncio incomoda-te, precisas de ruídos que ocupem os espaços e justifiquem a tua atenção ou desatenção. Não és imperfeito, mas só as tuas imperfeições me ocorrem agora e quase te detesto por me levares a esta situação. E doze minutos é tudo o que tenho agora. Esta será provavelmente a tua última prenda para mim – dás-me tempo para te seduzir, para te persuadir de que valho a pena, de que valemos a pena juntos. Mas é verdade que estou confusa. Este acontecimento degrada em mim o que tenho de melhor. Onze minutos e o teu telemóvel toca. Atendes e sinto o teu alívio ao fugir do nosso silêncio. O teu rosto suaviza-se e ficas mais bonito, mais feliz e eu tenho saudades de te inspirar essa expressão. Metade do tempo passou e tu estás ao telefone ainda. Não sei se te agradeça ou te censure por ocupares este tempo em algo exterior a nós. Nove, oito, sete minutos e as minhas mãos começam a tremer. Grito-te, ordenando-te que desligues o telefone, que estamos a conversar sobre a nossa vida, que não tens o direito de fugir disso, que não tenho que contar os minutos sozinha, que és um egoísta, que me ignoras. Grito-te muito. Desligas o telefone e o teu semblante volta a ficar pesado. Olhas para o visor do telemóvel e percebes que só faltam seis minutos e que o tormento em breve terminará. Tens as tuas coisas a fazer, claro. Eu sou apenas mais uma e já estás a ultrapassar o tempo que previste dedicar-me. Cinco minutos e eu acalmei-me bastante. Mas não tenho nada para te oferecer para que fiques. Disse-te tudo, já. Melhor, gritei-te tudo. Quatro minutos e percebo nos teus movimentos que preparas a partida, a despedida. Procuras alguma coisa nos bolsos, ou finges que procuras. Três minutos e estamos já apaziguados com a ideia de fim. E, de repente, abraças-me com força e assim ficamos. No fim do abraço consigo apalpar a separação. Dois minutos e os nossos olhos procuram a cumplicidade, algo antigo. Um minuto e já não consigo ficar até ao fim. Desato a correr.
Tenho vinte minutos para te explicar porque é que devemos ficar juntos para o resto da vida. Estás muito zangado comigo, pouco receptivo a qualquer argumentação, sobretudo minha, estás com pressa e preparas todas as defesas para viveres sem mim com muito pouco sofrimento. Olho para ti e é isso que vejo – que partes, que te afastas, que te impacientas, que queres ir embora sem mim, que anseias por estar noutro lado qualquer e o tempo a passar… Já só tenho dezanove minutos e a passagem do tempo apenas me entontece e me rouba toda a criatividade que sempre me caracterizou e me ajudou nestes momentos, já nossos conhecidos. Dezoito minutos e tu olhas o relógio do teu telemóvel, brincas com o telemóvel, olhas para mim, estás à espera sem quereres estar. Eu aperto as mãos, olho-te, olho o teu telemóvel, tusso de forma forçada, apenas quero ganhar tempo e não gastá-lo. Sinto-me desesperada. Amo-te e é tudo. Tenho pena que isso não seja suficiente para te fazer ficar. Seria se também me amasses, sem razão nenhuma. Precisas que te explique porque deves ficar comigo e isso parece-me inadmissível e no entanto sujeito-me a isso como se fosse a prova de toda a minha existência. Sobram dezassete minutos: afinal ainda tenho tempo, apenas preciso de me acalmar e pensar naquilo que é importante para nós dois: o cinema, o sexo, os passeios de bicicleta, os abraços durante a noite, o nosso cheiro, o cão… não vais querer desistir de tudo isto, pois não? Estou convencida de que vou convencer-te. E agora dezasseis minutos quase parecem uma eternidade. Olho-te com devoção e tu tens um olhar interrogativo, mas duro, difícil. Levanto-me, respiro fundo, dou uma volta à sala, volto a olhar-te de um outro ângulo e perco mais um minuto a achar-te bonito. Quinze minutos me separam da alegria ou da tristeza. Sei que sou capaz de lutar pela alegria e, no entanto, não me sinto mal se não conseguir e ficar triste. Não sei se no fundo não desejo que me deixes, que resistas à minha argumentação, à minha lógica. Esta ambiguidade esteve sempre presente em mim acabando por me proteger nestes momentos. Catorze minutos. O teu suspiro acorda-me para a realidade. Tenho muitas coisas para te dizer mas nenhuma me parece suficientemente importante para que fiques ou para que partas. Sinto coisas boas em relação a ti mas talvez não seja suficiente para ti. Talvez a forma como te amo te incomode, te destabilize e eu posso compreender isso. Só treze minutos e a tua impaciência começa a tornar-se palpável; o silêncio incomoda-te, precisas de ruídos que ocupem os espaços e justifiquem a tua atenção ou desatenção. Não és imperfeito, mas só as tuas imperfeições me ocorrem agora e quase te detesto por me levares a esta situação. E doze minutos é tudo o que tenho agora. Esta será provavelmente a tua última prenda para mim – dás-me tempo para te seduzir, para te persuadir de que valho a pena, de que valemos a pena juntos. Mas é verdade que estou confusa. Este acontecimento degrada em mim o que tenho de melhor. Onze minutos e o teu telemóvel toca. Atendes e sinto o teu alívio ao fugir do nosso silêncio. O teu rosto suaviza-se e ficas mais bonito, mais feliz e eu tenho saudades de te inspirar essa expressão. Metade do tempo passou e tu estás ao telefone ainda. Não sei se te agradeça ou te censure por ocupares este tempo em algo exterior a nós. Nove, oito, sete minutos e as minhas mãos começam a tremer. Grito-te, ordenando-te que desligues o telefone, que estamos a conversar sobre a nossa vida, que não tens o direito de fugir disso, que não tenho que contar os minutos sozinha, que és um egoísta, que me ignoras. Grito-te muito. Desligas o telefone e o teu semblante volta a ficar pesado. Olhas para o visor do telemóvel e percebes que só faltam seis minutos e que o tormento em breve terminará. Tens as tuas coisas a fazer, claro. Eu sou apenas mais uma e já estás a ultrapassar o tempo que previste dedicar-me. Cinco minutos e eu acalmei-me bastante. Mas não tenho nada para te oferecer para que fiques. Disse-te tudo, já. Melhor, gritei-te tudo. Quatro minutos e percebo nos teus movimentos que preparas a partida, a despedida. Procuras alguma coisa nos bolsos, ou finges que procuras. Três minutos e estamos já apaziguados com a ideia de fim. E, de repente, abraças-me com força e assim ficamos. No fim do abraço consigo apalpar a separação. Dois minutos e os nossos olhos procuram a cumplicidade, algo antigo. Um minuto e já não consigo ficar até ao fim. Desato a correr.
quarta-feira, 21 de abril de 2010
Um grito em forma de livro: Não há morte nem princípio, Mário Dionísio
Contista, um dos primeiros, entre nós, a interessar-se pelas perplexidades do intelectual que é (ou quer ser) homem de acção, poeta para quem a poesia foi um instrumento de combate e também uma meditação acerca do amor, ensaísta que aprofundadamente discutiu os problemas da arte — Mário Dionísio representava no actual panorama do romance português o curiosíssimo exemplo de um romancista sem romances (ou, para falar com mais clareza, o exemplo de um autor que somente no romance poderia buscar e achar a unidade de todas as suas múltiplas preocupações, preocupações que, ao fim e ao cabo, sabemo-lo agora, são as de um moralista que se interroga acerca dos fins e dos meios). Inventário sombrio de um certo momento da vida portuguesa, balanço (justo?, injusto?) do que fizemos e do que não soubemos fazer — ei-lo, finalmente, esse inevitável, arriscadíssimo romance, um belo romance, um romance novo, complexo, perturbador, um desses romances que nos fazem pensar, que são a imagem cruel (e polémica) de muitos dos nossos fracassos.
Augusto Abelaira
segunda-feira, 19 de abril de 2010
Um grito na vida: The Bridge
sexta-feira, 16 de abril de 2010
quinta-feira, 15 de abril de 2010
Grito 31
Trovão
Ontem à noite
Trovejaste dentro de mim.
Não reparei, perdida que estava na tua carne.
Só as nódoas nascidas com a luz do dia
O confirmaram.
O meu corpo fala-me do teu
E conta-me o que de ti próprio não sabes.
Gostava de estar mais presente, nesses momentos
Mas o teu corpo, o teu cheiro, os teus líquidos distraem-me
Do cenário
Que o teu trovão destrói ao iluminar as minhas marcas.
Enquanto procuramos coisas diferentes um no outro
Partilhamos o gozo, a dor e o fim para o qual combinámos
Estratégias que evitam o embaraço.
Somos inteligentes e sós. Não sabemos lidar com os outros sem a sua utilidade.
Não tenho uma imagem completa do teu corpo.
Nem tão pouco do teu rosto. Cada vez que te vejo é uma surpresa e acho-te sempre bonito, de novo.
A fragmentação dos nossos encontros permite fixar-me no que mais me agrada em nós e juntar essas partes com outras partes de outros encontros. E imaginar um céu na terra, em dias húmidos nos olhos.
Quando deixares de vir
E eu sentir a ausência absoluta do que me davas
Terei uma história preparada para me contar: fragmentos de frases
Que dizias quando te doía o corpo do nosso encontro.
Ontem à noite
Trovejaste dentro de mim.
Não reparei, perdida que estava na tua carne.
Só as nódoas nascidas com a luz do dia
O confirmaram.
O meu corpo fala-me do teu
E conta-me o que de ti próprio não sabes.
Gostava de estar mais presente, nesses momentos
Mas o teu corpo, o teu cheiro, os teus líquidos distraem-me
Do cenário
Que o teu trovão destrói ao iluminar as minhas marcas.
Enquanto procuramos coisas diferentes um no outro
Partilhamos o gozo, a dor e o fim para o qual combinámos
Estratégias que evitam o embaraço.
Somos inteligentes e sós. Não sabemos lidar com os outros sem a sua utilidade.
Não tenho uma imagem completa do teu corpo.
Nem tão pouco do teu rosto. Cada vez que te vejo é uma surpresa e acho-te sempre bonito, de novo.
A fragmentação dos nossos encontros permite fixar-me no que mais me agrada em nós e juntar essas partes com outras partes de outros encontros. E imaginar um céu na terra, em dias húmidos nos olhos.
Quando deixares de vir
E eu sentir a ausência absoluta do que me davas
Terei uma história preparada para me contar: fragmentos de frases
Que dizias quando te doía o corpo do nosso encontro.
quarta-feira, 14 de abril de 2010
Um grito em forma de livro: Os passos em volta, Herberto Helder
Aparentemente um livro de contos, histórias de enredos simples, mas romanticamente transcendentes, representam os passos de um homem em torno da sua existência, sem respostas paradigmáticas, num vazio que se procura transformar em matéria. Sobeja-lhe o corpo, divino, prodigioso e redentor, onde regressa sempre.
“Talvez pudesse ouvir passos junto à porta do quarto, passos leves que estacariam enquanto a minha vida, toda a vida, ficaria suspensa. Eu existiria então vagamente, alimentado pela ciolência de uma esperança, preso à obscura respiração dessa pessoa parada. Os comboios passariam sempre. E eu estaria a pensar nas palavras do amor, naquilo que se pode dizer quando a extrema solidão nos dá um talento inconcebível. O meu talento seria o máximo talento de um homem e devia reter, apenas pela sua força silenciosa, essa pessoa defronte da porta, a poucos metros, à distância de um simples movimento caloroso. Mas nesse instante ser-me-ia revelada a essencial crueldade do espírito. Penso que desejaria somente a presença incógnita e solitária dessa pessoa atrás da porta. Ela não deveria bater, solicitar, inquirir”, conta-nos Herberto Helder na magnífica prosa a que nos habituou.
quinta-feira, 8 de abril de 2010
Um grito na vida: Alain Resnais
Amor Eterno é um dos mais belos filmes do cineasta francês Alain Resnais. Nomeado em 1985 para cinco Césars, aborda, através das histórias de dois casais, os laços estreitos e ambíguos entre o amor e a morte, o prazer e a dor, a paixão e a solidão., tratando estas questões profundas de forma simples e directa. Judith e Jerôme Martignac vivem juntos há dez anos, num clima de profunda cumplicidade e exaltação. São os dois pastores protestantes, apesar de terem concepções pessoais bastante diferentes da fé. Já a história de amor de Elisabeth Sutter e Simon Roche, que estão juntos há apenas dois meses, é atravessada pelo medo da separação que eles julgam ser iminente. Simon está bastante doente e não quer recorrer a qualquer teste médico. Elisabeth e Simon são, assim, dois seres contrastantes, mas que se completam: ela luminosa e radiosa pela graça do amor, ele sombrio e torturado por uma lembrança angustiante.
quarta-feira, 7 de abril de 2010
sábado, 3 de abril de 2010
Grito 30
Passaste-me
Passas por mim e já nada me dói. Passaste-me. Só me apetece a cama quente de Inverno, a televisão ligada a um canto a fingir que está ali alguém, os jornais do fim-de-semana quase a serem lidos e ninguém por perto para opinar sobre as minhas rotinas. Passaste-me. E esse pensamento ocupa-me. Doeu tanto, chorei, gritei, mordi os lábios para não chorar em lugares públicos, apertei as mãos vazias, achei que morria, ninguém como tu. E olha o que aconteceu: passaste-me completamente; passaste-me ao lado. Que desperdício de tempo e disponibilidade interior: gostar, cumprir rituais, desencontrar, sofrer, deixar de gostar e pensar em tudo isto. E agora eu aqui, deitada na cama sem me apetecer fazer seja o que for que não isto: pensar sobre isto. Sinto-me estranha por me teres passado. É como se tivesse estado muito tempo doente e agora a saúde faz-me mal. Apetece-me este quarto familiar, os meus objectos, o comando da televisão para fazer zapping e encher o quarto de diferentes luminosidades. Quero o habitual para me ajudar a suportar o diferente. Eu era uma ferida aberta e qualquer gesto teu, qualquer movimento, palavra, atitude faziam sangrar e crescer a ferida. Ninguém me podia tocar. Tudo me doía. Até o carinho de outros me fazia mal. Parecia uma coisa do diabo. Mas não era, era mesmo uma coisa muito minha. Uma forma própria de sofrer no limite do tolerável e depois voltar à vida semi-anestesiada. Aprendi isto a correr. Corri sempre muito e sempre acima das minhas forças. No fim de cada corrida, estava pronta para cair para o lado, desmaiar e precisava sempre de algum tempo para me restabelecer. Na vez seguinte fazia o mesmo e nunca deixei de o fazer. Ganhei resistência, aquele fundo dos maratonistas, e isso reflectiu-se no resto da minha vida. Por isso, quando me passaste, quando me deixaste de doer não fiquei muito surpreendida. Apenas vazia daquela dor que me fazia companhia, que me identificava. Quem seria eu sem a tua memória, sem ti? A minha memória de ti estava completamente desactualizada, não te via há anos, mas era uma memória fiel que me recordava do que tínhamos sido capazes. E fomos muito capazes, demasiado. Até que aparece a dor sob a forma de ciúme, raiva, mágoa e eis que dois gigantes lutam na fúria dos sentimentos, à espera, cada um, de ficar com o bocado menor de sofrimento. Tiveste sorte. Ou tive azar. Eu passei-te melhor: quase não sangraste nem adoeceste. Ouvi dizer que te escondeste um pouco para não te verem sofrer. E é justo que assim seja.
Passas por mim e já nada me dói. Passaste-me. Só me apetece a cama quente de Inverno, a televisão ligada a um canto a fingir que está ali alguém, os jornais do fim-de-semana quase a serem lidos e ninguém por perto para opinar sobre as minhas rotinas. Passaste-me. E esse pensamento ocupa-me. Doeu tanto, chorei, gritei, mordi os lábios para não chorar em lugares públicos, apertei as mãos vazias, achei que morria, ninguém como tu. E olha o que aconteceu: passaste-me completamente; passaste-me ao lado. Que desperdício de tempo e disponibilidade interior: gostar, cumprir rituais, desencontrar, sofrer, deixar de gostar e pensar em tudo isto. E agora eu aqui, deitada na cama sem me apetecer fazer seja o que for que não isto: pensar sobre isto. Sinto-me estranha por me teres passado. É como se tivesse estado muito tempo doente e agora a saúde faz-me mal. Apetece-me este quarto familiar, os meus objectos, o comando da televisão para fazer zapping e encher o quarto de diferentes luminosidades. Quero o habitual para me ajudar a suportar o diferente. Eu era uma ferida aberta e qualquer gesto teu, qualquer movimento, palavra, atitude faziam sangrar e crescer a ferida. Ninguém me podia tocar. Tudo me doía. Até o carinho de outros me fazia mal. Parecia uma coisa do diabo. Mas não era, era mesmo uma coisa muito minha. Uma forma própria de sofrer no limite do tolerável e depois voltar à vida semi-anestesiada. Aprendi isto a correr. Corri sempre muito e sempre acima das minhas forças. No fim de cada corrida, estava pronta para cair para o lado, desmaiar e precisava sempre de algum tempo para me restabelecer. Na vez seguinte fazia o mesmo e nunca deixei de o fazer. Ganhei resistência, aquele fundo dos maratonistas, e isso reflectiu-se no resto da minha vida. Por isso, quando me passaste, quando me deixaste de doer não fiquei muito surpreendida. Apenas vazia daquela dor que me fazia companhia, que me identificava. Quem seria eu sem a tua memória, sem ti? A minha memória de ti estava completamente desactualizada, não te via há anos, mas era uma memória fiel que me recordava do que tínhamos sido capazes. E fomos muito capazes, demasiado. Até que aparece a dor sob a forma de ciúme, raiva, mágoa e eis que dois gigantes lutam na fúria dos sentimentos, à espera, cada um, de ficar com o bocado menor de sofrimento. Tiveste sorte. Ou tive azar. Eu passei-te melhor: quase não sangraste nem adoeceste. Ouvi dizer que te escondeste um pouco para não te verem sofrer. E é justo que assim seja.
segunda-feira, 29 de março de 2010
Um grito em forma de livro: A paixão segundo G.H., Clarice Lispector
A Paixão Segundo G.H. é um livro da escritora Clarice Lispector, o enredo trata de uma mulher identificada apenas pelas iniciais G.H., que depois de despedir a empregada e tentar limpar o quarto desta, que ela supõe imundo e repleto de inutilidades. Após recuperar-se da frustração de ter um quarto limpo e arrumado, G. H. depara-se com uma barata na porta do armário, e relata a perda da individualidade após ter esmagado a barata. Esta visão provoca-lhe uma náusea impressionante. O nojo pelo insecto desafia-a assustadoramente: é preciso que ela se aproxime da barata, que toque na barata, e até que prove o sabor da barata. Para regressar ao seu estado de um ser primitivo, selvagem e por isso mais feliz. A partir de então desencadeia-se o livro, com revelações sobre um personagem imerso na sua rotina e afazeres diários. O personagem G. H. lança um novo olhar sobre si mesmo, sobre as suas angústias, paixões e desapegos.
Um grito na vida: Ingmar Bergman
Ingmar Bergman's FACE TO FACE is a psychodrama featuring family strife, childhood trauma, and psychotherapy--all plot elements that recur consistently throughout the Swedish filmmaker's latter works. Liv Ullmann plays Dr. Jenny Isaksson, a successful psychiatrist who visits her grandparents (Aino Taube-Henrikson and Gunnar Björnstrand) while her husband, Erik, and their daughter are away on vacation. Hoping for a brief respite and a chance to recuperate, she instead finds herself transported back to her childhood, and unhappy memories, nightmares, and hallucinations threaten to overwhelm her. She breaks down after an adulterous encounter with another man (Erland Josephson) and realizes she is losing her mind. After a botched suicide attempt, Isaksson is hospitalized and decides to reconsider her situation. Female characters are central to most of the films of Bergman's mature phase, and this picture represents yet another study of a woman's harrowing personal struggle, rendered onscreen via Bergman's characteristic close-ups and cinematographer Sven Nykvist's highly expressive photography. Ullmann's strong performance in what has been called one of the lesser Bergman films of the 1970s is riveting and engrossing throughout and at the time of the film's release prompted some to refer to her as the greatest film actress of the day
domingo, 28 de março de 2010
Subscrever:
Mensagens (Atom)