Doente
Comprei uma casa para fugir do teu amor. Que me matava, sufocava e, sobretudo, me afastava de tudo o que queria fazer. Comprei uma casa, muito pior do que a nossa que foi sempre só tua, para me isolar de ti. Não se trata apenas de amar o homem que não quero para mim. É muito pior do que isso – é amar quem me destrói e desejar isso. Sei que o mundo está cheio de mulheres “que amam demais” os homens errados para elas, que pensam não conseguir viver sem eles, autênticas heroínas modernas que se distinguem das clássicas apenas porque podem fugir, partir, ir embora, morrer… e não querem, nem vão.
Posso resumir a nossa vida a uma repetição exaustiva de estados iguais: o desejo físico intenso; o amor incondicional; o desencontro nas rotinas; a tensão latente; a tensão explícita; a agressão; a ruptura; o vazio; as saudades; o reencontro; e de novo o desejo físico intenso; etc. O tempo que mediava entre o primeiro estado e o último variava entre um dia e um mês e eu estava sempre numa situação de ruptura emocional motivada pela instabilidade a que me sujeitava.
Tu eras mais básico e estável e, por isso, apenas te dividias entre coisas boas e más: a minha pessoa ora era fonte de prazer e era uma coisa boa, ora era fonte de ódio e era uma coisa má. Odiavas-me com mais intensidade e durante mais tempo do que o que me amavas. Tive que aprender a amar-te mesmo quando me odiavas e tratavas mal simplesmente porque não era capaz de odiar ninguém durante tanto tempo e sentia muito a tua falta.
Sentir a falta de alguém é seguramente a maior escravidão. Nunca mais nada está no sítio. Todos os lugares parecem desertos apenas porque tu não estás lá. Todas as pessoas carecem de interesse e quase suspiramos pelo que nos levou a fugir. Ficamos confusos e doentes. O resto da vida depende do quanto doente ficamos e de como saímos dessa doença ou quanto tempo nos deixamos embalar por ela.
Sofrer não é a pior coisa do mundo. Não pode ser a pior coisa do mundo. Demoramos tanto tempo a desistir de sofrer que, hoje, acredito que temos que ter ganhos com o sofrimento. Da última vez que fugi de ti, até hoje, quis, até ao último minuto, que não me deixasses ir embora, que me pedisses para ficar, que me pedisses desculpa, que acontecesse qualquer coisa que me permitisse ficar com alguma dignidade. Mas, do teu lado, não veio um único sinal e eu tive que ser coerente, pelo menos uma vez na nossa curta vida.
Estive (estou ainda?) viciada em ti, dependente até ao tutano. Respirava por ti, acordava para te ver, passava o dia a pensar no momento de estar contigo, pensava em ti constantemente, sentia que tinha que te aproveitar porque um dia tudo acabaria, arranjava-me como sabia que gostavas, comprava-te prendas para te alegrar… e nunca me chegavas. Se estava contigo vinte e quatro horas queria o dobro. Se passava um mês contigo, sentia que só um ano me faria feliz e foi assim que cheguei à eternidade: nunca me bastarias. Por mais que te tivesse sabia que nunca te teria completamente. Não seríamos o tipo de casal que engorda na sua felicidade calma.
Quando entrei pela primeira vez na casa que comprei para fugir de ti ela pareceu-me pequena, sem luz, sem vistas bonitas. Pareceu-me de facto o ideal para fugir: anular-me lá dentro, dormir dias sem fim, alimentar-me só o suficiente para não morrer, não estar com ninguém, não limpar nem arrumar a casa, não atender o telefone nem abrir a porta, deixar-me ir. Sofrer como um cão abandonado num sítio desconhecido.
Hoje, já um pouco longe de tudo isso, a casa parece-me um pouco maior, ainda não consigo perder-me dentro dela, mas já abri as cortinas e deixei entrar alguma luz. Despejei o saco do lixo e comprei uma televisão. Há dias dei comigo a raspar as portas (castanhas) para as pintar de branco. Colei algumas fotografias de amigos nas paredes e liguei o fogão. Não é ainda um lar, mas já a sinto como um refúgio, um lugar que me abraça nas noites em que a memória que de ti tenho me assalta e se apodera de mim.
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