E pronto
E pronto. Eis mais uma história que não aconteceu. Assim foi. Tal como disseste que seria. Uma coisa de nada. Uma pestana no olho. Um encontrão na mesa. Um depósito quase vazio. Nenhum herói, nenhum mártir. Nem lágrimas, nem sorrisos. Talvez uma prega no intestino que me fará morrer. Mas só daqui a muitos anos. Não associarei as coisas. E, contudo, um início tão prometedor, intenso, o desejo a doer nos ossos, a boca seca de fome, uma entrega cega, às escuras. Quase nada. Nada. Depois, outra vida, ou a mesma de outra maneira. Esquece-se depressa. O tempo passa e arrasta com ele os detritos que vamos soltando do encontro com a realidade, parece que é a vida. Carregada de quase nada e quase tudo, o que é rigorosamente o mesmo. E no meio de tantas possibilidades, baralhamos a realidade e vão-se os nomes, os cheiros, os lugares, quem, para o quê, desfocamos a memória e lá se vai tudo num banho de mar.
Então, porque me percorre aquele arrepio fundo que vem da espinha sempre que me parece ouvir o grão da tua voz, mas que nem sequer é a tua, apenas aproximada? Então, porque voltas tão depressa se me viro desprevenida? Então, porque não me sais da cabeça? Tu, uma coisa de nada, uma promessa apenas, uma possibilidade, um quase, um se, um ponto de interrogação. E deste quase nada, ficou-me tudo.
Entretanto, dei, literalmente, a volta ao mundo. Como dizia o poeta “viajar, perder países”, esperando perder outras coisas pelo caminho de volta ao mesmo. E distraí-me nessa roda viva de burocracias, espanto, deleite, decepção, prazer e desconforto que são as viagens. E continuarei a viajar até te perder o rasto, não te saber, talvez não te reconhecer, não estares à minha espera nos meus sonhos, até deixares de ser um quase e passares a ser um nada. Neste trajecto, surgem mais uma pregas por dentro que não associarei à morte. Não o poderia dizer com certeza. E não me lembrarei de ti, nessa altura. Pode ser que recorde de forma confusa tantos quases, ses, pontos de interrogação e tenha pena de não ter tido uma vida por cada uma dessas possibilidades. Não saberia escolher, mesmo que pudesse.
Então, porque me percorre aquele arrepio fundo que vem da espinha sempre que me parece ouvir o grão da tua voz, mas que nem sequer é a tua, apenas aproximada? Então, porque voltas tão depressa se me viro desprevenida? Então, porque não me sais da cabeça? Tu, uma coisa de nada, uma promessa apenas, uma possibilidade, um quase, um se, um ponto de interrogação. E deste quase nada, ficou-me tudo.
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