quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Grito 11

Tratei dele durante o tempo que a doença durou: 10 anos. Tive os mesmos desgostos e esperanças que ele durante todo o processo. As mesmas dores, as mesmas indisposições. As mesmas alegrias e expectativas. Quis que ele morresse quando não aguentava mais o seu sofrimento. Quis que ele vivesse para sempre quando me apercebida do quanto me fazia falta. Amei a sua dignidade na doença, a sua coragem, a sua pessoa. Revelou-se na sua singularidade na doença. Morreu quando eu não estava presente, como se não quisesse que eu visse aquele último sopro e isso não compreendi: eu, que até os ossos, nervos e artérias lhe vi através das feridas, não pude vê-lo respirar pela última vez. Isso doeu-me. E agora percebo que a última conversa que tivemos, que, na altura, me pareceu disparatada e despropositada, era, na verdade, uma despedida. Ele sabia que não iria para lugar nenhum. E, no entanto, precisei de Deus para me dizer que ele iria para algum lugar. No dia a seguir à sua morte, dei toda a sua roupa e quase todos os objectos pessoais. O filho também não quis quase nada que pertencia ao pai. Ficou com a mesma doença. Aguentarei tudo outra vez?

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