domingo, 10 de janeiro de 2010

Um grito na noite


Quando te escrevo, nestes momentos, é sempre para me despedir. Para te dizer que parto, mais uma vez, convencida do quanto os amantes infelizes precisam de se separar. E sim, fui uma amante infeliz, contente nos encontros e miserável nos desencontros, e depois, de novo miserável, agora nos encontros. E em seguida, ponho-me a pensar que sentido pode ter esta tristeza que vem de nós, e a resposta fica presa na garganta, engasgando, engasgando. Preparo-me para partir sem deixar que o adeus me cegue e retenha. Não te quero deixar palavras que matem. Nem gestos que não me pertencem. Algo se perde na procura de um desfecho. Onde posso ir buscar força? Onde me posso esconder, aninhar, regredir? Onde posso não chorar?
Quando te escrevo, partida ao meio, com os pulmões sangrando, perdendo tudo, entendo que é aqui que tudo recomeça: não que me faltes, não que te queira, não que te tenha; mas que me volte no caminho, tanto que reconheça aquilo que nunca vi. E de te pensar outra vida, distante da minha dor, tenho saudades felizes da nossa vida infeliz. Se te ouço, se te vejo, chegarei um dia à tarde e seremos o brinquedo que enterraste à espera que crescesse - e não cresceu. E continuo espantada que não tenha acontecido. Se esse gesto genuíno, original nada gerou, o que brotaria de nós? Tomara a resposta fosse nada. E a resposta é nada.
Quando te escrevo, ainda te escrevo; e por cada palavra mil perdões mil desculpas. Compreende: já não consigo despir-me, mas continuo descalça, de cabeça caída. Os meus cabelos não se seguram presos na nuca, caiem com o peso do ar nas pontas, caiem sobre os meus ombros e cobrem-me um pouco, escondo-me neles. Já não estou. Não estou. Mas quis estar, quis. Mas não. Não estou. Estranho que esta estranheza me seja tão familiar. O meu corpo inchou para que não me encontrasse. Já nem sofro e até isso é possível. Respiro fundo e desapareces no meu sopro. Eu, que era a tua terra, a tua casa, expulso-te deste reino indo embora.
E quando te escrevo, nego-te a presença, digo-te coisas pretas num fundo branco, sei lá se te desejo alguma coisa de bem ou de mal, sei lá se ainda te desejo, sei lá onde é isso agora. Onde dói o desejo. Tenho a pele seca, os olhos baços, os cabelos sem brilho e o corpo todo fora do lugar. Percebo agora que este vazio que sinto paira sobre mim para me proteger. Para que te possa escrever dizendo que sim, que não, que adeus, que agora isto, e aquilo, e que afinal está bem, adeus, que sofro, não sofro, que sei, não sei. Não me perdoes, que te faço isto e farei mais. Deixa que te deixe. Fica perdido, ou não, com vontade de chorar, ou sem, indignado, conformado e agradecer-te-ei para sempre que não uses as palavras para me responder. Sei lá se para onde vou fico. Baterei palmas no dia da tua morte.

Sem comentários:

Enviar um comentário