sábado, 9 de janeiro de 2010

Grito 5


Não

Não, não te perdoo. É só para te dizer isto, embora ache que já o sabes. Escolhi já a forma e o local onde te vou matar. Se tivesses desaparecido imediatamente depois do que aconteceu, se tivesses mudado a tua atitude, postura, eu poderia ter acalmado. Mas és quem eras antes do que aconteceu. Em nada te mudou o que aconteceu. Impressiona-me e é-me intolerável a tua forma de estar nesta vida. Não te vou fazer sofrer. Não é que não o mereças; eu é que já não tenho paciência para este tema que tu és. Por isso quero matar-te rapidamente e deixar de pensar no assunto que tu és. Não te quero ter por recordação, nem lembrança, nem como parte (importante ou não) da minha vida, quero apagar-te dentro de mim, reduzir-te a cinzas. Pronto, já te dei uma pista. Cinzas… Lume…É verdade. Tenciono disparar sobre ti com uma pistola que o teu primo me vendeu. Vou tentar disparar o mais acertadamente possível para os órgãos vitais, para que morras depressa: coração, cabeça, fígado. Se mesmo assim não sucumbires, gastarei todas as balas até não te mexeres e serei rápida. Em seguida, regar-te-ei com gasolina e pegar-te-ei fogo acendendo um fósforo. Esperarei que ardas bastante, o suficiente para ficares irreconhecível. E não tentes fugir-me agora que tomei esta decisão, pois ela é irrevogável e procurar-te-ei no fim do mundo para a levar a cabo. Sabes como consigo ser obstinada. E nem tentes demover-me pois isso só irá engrandecer a minha vontade de o fazer. Pedires-me seja o que for diminuir-te-á e irritar-me-á de tal forma que posso até ser tentada a antecipar o teu assassinato. Além disso, não estou permeável a nenhum tipo de argumentação que se proponha influenciar-me no sentido de abandonar os meus propósitos. Quero o pior para ti, tudo o que é mau, negro, ordinário, irreparável, imperdoável. Arrasto-me nisso contigo? Não. Há neste assunto uma enorme superioridade moral da minha parte. Não me contaminarás. Não me transformarei em ti. Não me arrependerei e serei feliz depois da tua morte. Estamos em lugares, na vida, incomensuráveis. O nosso infeliz encontro foi um equívoco que determinou que as nossas vidas se interceptassem num ponto explosivo, mas falso, sem suporte, sem verdade alguma que o legitimasse. Infelizmente, nestes momentos, alguém tem que morrer e alguém tem que sobreviver para contar a história e o ensinamento que dela resulta.

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