terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Grito 13

Medo

Não me deixes sozinha, mãe. Por favor, não me deixes sozinha. Tenho tanto medo do escuro, da noite, dos sonhos maus. Tanto medo de acordar e tu não estares. Sei e compreendo que tens de trabalhar e que é por isso que não estás, mas não me deixes só. Nesses momentos eu carrego toda a solidão do mundo no meu peito e nada me consola da tua ausência. Porque à noite, mãe, só tu me dás segurança, me afastas os fantasmas, enches a casa que cresce quando tu não estás. Às vezes tenho a felicidade de dormir toda a noite e não me apercebo se estiveste ou não em casa. Mas, a grande maioria das noites, acordo em sobressalto e vou devagarinho devagarinho ao teu quarto, enquanto não chego lá tenho a esperança de que tu lá estejas, e depois volto para o meu, ou com o coração pequenino, cheia de medo e fico acordada à tua espera, ou com o coração grande, confiante porque tu estás ali a dormir, ao meu lado. Não chegues tarde ao colégio, quando me vais buscar. Quase sempre sou a última a voltar para casa, porque tu não chegas nunca e as últimas horas da tarde doem-me tanto, vendo os outros meninos e meninas partirem alegremente e eu ali, sozinha, sem mais ninguém com quem brincar, sem mais o que estudar, sem nada para fazer, excepto estar ali à tua espera. Quando chegas, ilumino-me toda e quase esqueço o sofrimento de minutos antes. Não peças a terceiros para me irem buscar ou levar seja lá onde for – com eles não é ir e voltar, mas partir e nunca chegar. É uma espera que não acaba. Espero na escola e depois volto para casa para continuar à espera. Não me faças isso mãe. Eu sei que não o fazes propositadamente, tens uma vida difícil, mas eu também tenho. Vivo à tua espera desde que nasci. Devo ter chorado muito à espera que chegasses para me amamentar. Não me lembro, mas tenho a memória da dor. E chorei muito em casa sem ti, no colégio, na escola, em casa de outras pessoas enquanto esperava por ti. Esperei tudo o que é possível a uma criança esperar. Não quero brinquedos, nem lembranças, quero-te a ti, mãe. O teu colo branco, a tua voz alta que cala o silêncio, a tua presença forte, só a tua presença. Estás sempre atarefada, como que a fugir de alguma coisa, saltas de tarefa em tarefa com uma velocidade que não consigo acompanhar. E quando dormes, dormes profundamente, cansada, indisponível, só. Muitas vezes me deitei na tua cama vazia, à tua espera, claro. Que chegasses. E chegavas quase sempre. Mas nunca para mim.

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