Medo
Não me deixes sozinha, mãe. Por favor, não me deixes sozinha. Tenho tanto medo do escuro, da noite, dos sonhos maus. Tanto medo de acordar e tu não estares. Sei e compreendo que tens de trabalhar e que é por isso que não estás, mas não me deixes só. Nesses momentos eu carrego toda a solidão do mundo no meu peito e nada me consola da tua ausência. Porque à noite, mãe, só tu me dás segurança, me afastas os fantasmas, enches a casa que cresce quando tu não estás. Às vezes tenho a felicidade de dormir toda a noite e não me apercebo se estiveste ou não em casa. Mas, a grande maioria das noites, acordo em sobressalto e vou devagarinho devagarinho ao teu quarto, enquanto não chego lá tenho a esperança de que tu lá estejas, e depois volto para o meu, ou com o coração pequenino, cheia de medo e fico acordada à tua espera, ou com o coração grande, confiante porque tu estás ali a dormir, ao meu lado. Não chegues tarde ao colégio, quando me vais buscar. Quase sempre sou a última a voltar para casa, porque tu não chegas nunca e as últimas horas da tarde doem-me tanto, vendo os outros meninos e meninas partirem alegremente e eu ali, sozinha, sem mais ninguém com quem brincar, sem mais o que estudar, sem nada para fazer, excepto estar ali à tua espera. Quando chegas, ilumino-me toda e quase esqueço o sofrimento de minutos antes. Não peças a terceiros para me irem buscar ou levar seja lá onde for – com eles não é ir e voltar, mas partir e nunca chegar. É uma espera que não acaba. Espero na escola e depois volto para casa para continuar à espera. Não me faças isso mãe. Eu sei que não o fazes propositadamente, tens uma vida difícil, mas eu também tenho. Vivo à tua espera desde que nasci. Devo ter chorado muito à espera que chegasses para me amamentar. Não me lembro, mas tenho a memória da dor. E chorei muito em casa sem ti, no colégio, na escola, em casa de outras pessoas enquanto esperava por ti. Esperei tudo o que é possível a uma criança esperar. Não quero brinquedos, nem lembranças, quero-te a ti, mãe. O teu colo branco, a tua voz alta que cala o silêncio, a tua presença forte, só a tua presença. Estás sempre atarefada, como que a fugir de alguma coisa, saltas de tarefa em tarefa com uma velocidade que não consigo acompanhar. E quando dormes, dormes profundamente, cansada, indisponível, só. Muitas vezes me deitei na tua cama vazia, à tua espera, claro. Que chegasses. E chegavas quase sempre. Mas nunca para mim.
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